domingo, 24 de maio de 2015

Bicho e milícia lucram com as máquinas de música no Rio

Encontradas em bares de todo o estado, as chamadas ‘jukebox’, que tocam o repertório escolhido pelo cliente, são uma fonte de renda para criminosos e contraventores.


O DIA

Rio - Ao colocar uma moeda de R$ 1,00 ou uma cédula de R$ 2,00, nas máquinas eletrônicas de música em bares do Estado Rio de Janeiro, o cliente corre o risco de estar contribuindo para a compra de armas e colaborando para o aumento da criminalidade. É que 98% das chamadas jukeboxes são controladas por milicianos, contraventores e traficantes. Os equipamentos sem o selo obrigatório da Associação Brasileira de Licenciamento Fonográfico (ABLF), ou seja, piratas, quadruplicaram em um ano, e transformaram o estado em campeão de aparelhos ilegais desse tipo. Levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Equipamentos de Execução Automática de Áudio e Vídeo (Aprova) em dez regiões do Brasil, obtido pelo DIA, mostra que as máquinas clandestinas, que, segundo a polícia, sustentam grupos criminosos, já movimentam R$ 66.000.000,00 por ano.

“Dos 22.201 aparelhos espalhados pelo estado, a maioria na capital e Região Metropolitana, apenas 501 são legalizados. Ou seja, 98% estão irregulares. A pessoa que, inadvertidamente, aciona uma máquina pirateada, mal sabe que está contribuindo para alimentar uma cadeia obscura de crimes, que muitas vezes envolvem até assassinatos”, alerta o advogado da Aprova, o criminalista Eric Cwajgenbaum. A falta de licenciamento caracteriza crime de violação de Direitos Autorais (Art. 184 do Código Penal, com prisão de dois a quatro anos) e, eventualmente, contrabando e descaminho de componentes eletrônicos (Art. 334, com o mesmo tempo de detenção previsto).


Quadrilhas que controlam as máquinas impõem, por meio da violência, intimidação velada e terror, regras de controle das jukeboxes ilícitas. Grupos armados instituem seus próprios “selos” de identificação e cobram uma espécie de pedágio, em média entre R$ 100,00 e R$ 200,00 por semana, para cada equipamento que ostenta a marca ABLF. Agindo livremente, os grupos faturam R$ 5.500.000,00 por mês. Com medo de represálias, representantes das únicas seis empresas que ainda operam as 501 jukeboxes legalizadas, evitam falar no assunto. A Aprova informou, entretanto, que muitos estão prestes a fechar as portas. “Há pouco mais de três anos, existiam 15 empresas que exploravam o ramo com a chancela da ABLF. Hoje, as poucas existentes não encontram nem mais mão de obra para repor HDs e conferir faturamentos, por exemplo”, diz Eric.

O dono de um bar na Zona Norte, um dos poucos que se dispôs a falar, mas sem se identificar, contou que os comerciantes, que ficam com 40% do lucro dos equipamentos ilegais, e os funcionários legalizados, viraram reféns. “Somos obrigados a obedecer aos bandidos e não a lei, sob pena de morrermos”, desabafou.


O Rio supera São Paulo, que tem o segundo maior número de jukeboxes do País. No território paulistano, das 21.777 existentes, 7.259 (33%) não são licenciadas. Em todo o Brasil, das 77.314 jukeboxes em funcionamento, 58% (44.959) operam irregularmente. Assim como falsificar CDs, quem reproduz HDs musicais sem o selo da ABLF, cuja regulamentação custa, mensalmente, de R$ 20,51 a R$ 32,58, por equipamento, incorre nos crimes previstos. Enquanto a clandestinidade aumenta a toque de caixa, a fiscalização está em ritmo de música lenta. Este ano, apenas dez jukeboxes sem licença foram apreendidas pela Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). Em 2014, nem uma máquina ilegal sequer foi apreendida.

Ilegal perto da delegacia


Na certeza da impunidade, quem controla as jukeboxes piratas age sem ser incomodado até mesmo no ‘quintal’ da polícia. Vídeos gravados pela equipe do DIA na quinta e sexta-feira passadas, mostram equipamentos sem selos da ABLF em bares a menos de 30 metros da 35ª DP (Campo Grande), e a pouco mais de 50 metros da 5ª DP (Mem de Sá) e da sede da chefia da Polícia Civil. Vendedores de jukeboxes ilegais, que anunciam em sites especializados na internet, dizem que os produtos não têm selos, e desaconselham a legalização. “Não há fiscalização nenhuma”, garantiu um dos anunciantes do site OLX, por telefone , sem saber que estava falando com a reportagem.

“O que me causa estranheza, espanto, é que qualquer autoridade policial poderia estar apreendendo máquinas ilegais e prendendo os criminosos, principalmente no Rio de Janeiro”, diz Eric Cwajgenbaum.

Em nota, a Polícia Militar limitou-se a informar que as jukeboxes “não caracterizam jogos de azar e que a fiscalização não cabe à PM”. Também por meio de nota, a Polícia Federal informou que “a exploração comercial irregular de máquinas de música não configura, em princípio, ilícito de atribuição da PF”. O Ministério Público estadual não respondeu email enviado pelo DIA, argumentando que precisaria de ‘casos específicos’ para comentar o assunto.

A Polícia Civil informou que dez máquinas foram apreendidas recentemente na capital. Segundo a DRCPIM, 56 inquéritos envolvendo máquinas Jukeboxes — dez em andamento — e os demais já relatados e enviados à Justiça, foram abertos, mas a o período não foi citado. A OLX, por sua vez, destacou, também em nota, que, “assim que recebe uma denúncia que viole a legislação, remove de sua plataforma imediatamente o conteúdo”, prezando pela qualidade do serviço prestado. “De acordo com o artigo 6.10 dos Termos e Condições de Uso, é proibida a venda no site de produtos sem a homologação, aprovação e registro do órgão governamental responsável”, diz o texto.

Grande procura atraiu a pirataria
Sucesso no início do Século XX, as jukeboxes mantêm seu status de atração e popularidade. Só no Brasil, as mais de 77 mil máquinas legalizadas executam 200 milhões de músicas por ano. Por isso, o mercado desperta a pirataria. A ABLF, amparada pela Lei Federal 9610/98 — de produção de equipamentos, reprodução e execussão de músicas — representa a maioria do repertório de fonogramas e videofonogramas. Fazem parte da ABLF a EMI Music, Som Livre, SonyBMG Music Entertainment, Universal Music e Warner Music Brasil. Os sites www.abpd.org.br e www.aprova.org.br informam sobre a legalização e combate à ilegalidade.

http://odia.ig.com.br/

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