quinta-feira, 2 de maio de 2024

Cabrini revela confissão de Senna que poderia ter evitado morte do piloto.



Beatriz Cesarini e Vanderlei Lima
Do UOL, em São Paulo

"Uma notícia que a gente jamais gostaria de dar. Morreu Ayrton Senna da Silva". A frase de 14 palavras foi entoada por Roberto Cabrini naquele fatídico 1º de maio de 1994, 30 anos atrás. Em frente à TV, milhares de brasileiros aguardavam angustiados por notícias de um ídolo que havia se acidentado gravemente na curva Tamburello, durante o GP de Ímola, na Itália. Mas naquele momento, Cabrini sabia que aquela tragédia poderia ter sido evitada se uma revelação que recebeu em off de Senna tivesse sido revelada: a da morte de Roland Ratzenberger um dia antes. Na ocasião, a Fórmula 1 disse que o austríaco havia morrido no hospital e não na pista. E isso fez toda diferença."A morte dele foi declarada no hospital, mas o Senna chegou para mim e falou: 'Não posso dar entrevista, estou muito impactado, mas eu preciso contar para você: o cara morreu na pista, não pode divulgar porque se isso é comprovado, não tem corrida'. A lei da Itália prevê que um evento com morte tem que ser suspenso imediatamente e a corrida, portanto, não aconteceria nesse caso. Mas quem é que para a máquina de fazer dinheiro da Fórmula 1?", relembrou Cabrini em entrevista ao UOL.

Cabrini, Fórmula 1 e Ayrton Senna.
Quando começou na Fórmula 1, Cabrini já era um repórter experiente, carregava na bagagem coberturas de guerras, Copa do Mundo e Olimpíadas como correspondente internacional da Globo. No início dos anos 80, o jornalista decide abraçar um projeto do SBT para acompanhar de perto a categoria mais importante do automobilismo. Foi assim que ele conheceu Ayrton Senna."A primeira cobertura foi em 1991, no Grande Prêmio de Phoenix. Foi o maior sucesso, foi aí que eu conheci o Senna. Me apresentei a ele propondo fazer uma cobertura diferenciada e houve uma identificação imediata. Rapidamente, a gente já ficou amigo, imediatamente houve uma relação de confiança mútua entre nós. Ele ficou inteiramente entusiasmado pela minha cobertura e passou a abrir as portas da Fórmula 1 para mim", contou Cabrini.

Aquela temporada foi um sucesso de cobertura, com direito a FIA obrigando Alain Prost e Ayrton Senna a se reconciliarem e Cabrini conseguiu a informação antes mesmo do que a Globo. Esse e outros fatos fizeram com que a emissora contratasse novamente o jornalista para ser o repórter da temporada seguinte da F1.

A obsessão pela perfeição.
Senna nunca deixou de impressionar Cabrini. Desde o primeiro dia em que o conheceu pessoalmente até o fim, o jornalista ficou impactado com a obsessão que o piloto tinha pela perfeição. Segundo o repórter, a Mona Lisa de Senna era desafiar o tempo e o espaço dentro de um carro de F1 para alcançar a excelência."Ele não aceitava nada que não fosse a absoluta perfeição. Claro que isso traria um custo. O Senna perdeu parte da vida dele por causa desse comprometimento. Ele sofria com isso, porque ele era um artista em busca da absoluta maestria. Perfeição, para ele, era ser o mais rápido possível. Sempre tinha onde melhorar. Ele vivia com essa obsessão", relatou Cabrini.

Todo esse ímpeto, segundo o jornalista, fazia com que Senna não pensasse nas consequências. O piloto brasileiro sempre deu tudo de si para extrair o melhor possível e estar à frente de todos."Se tivesse que arriscar para fazer o melhor, ele não pensava duas vezes. Ele não se conformava com nada que fosse menos. Não era um cara tático, cerebral. Não queria tirar o pé em nome de não assumir riscos. Para ele, tinha que ser o melhor dos melhores, era um compromisso incondicional em atingir essa perfeição. Ele, Ayrton Senna, desafiou até a morte", disse.

O fim de semana mais nebuloso da história da F1.
Em maio de 1994, Cabrini contou que Senna chegou na Itália já descontente. Ele estava inconformado com o "carro desequilibrado", em que via suas pernas bater na direção, mas não poderia externar isso. Afinal, a Williams era uma gigante cheia de patrocinadores. Somado a tudo isso, o piloto se sentia pressionado com a sombra de um jovem arrojado que começava a ganhar projeção: Michael Schumacher. Em meio à onda de preocupações na cabeça de Ayrton, o compatriota Rubens Barrichello sofreu um acidente gravíssimo durante as sessões de treinos livres. Senna visitou o amigo no hospital e estava claramente perturbado."Nunca houve uma névoa de negatividade tão grande quanto nessa corrida. Quando aconteceu o acidente em que Rubens Barrichello escapou da morte por um milagre, nunca vi o Senna tão transtornado. Ele estava realmente preocupado. Porque o carro dele estava inseguro. O carro estava desequilibrado", relembrou Cabrini.

O Senna chegou a considerar não correr, mas ele nunca externou. Fica claro, por todas as conversas que tivemos, que passou na mente dele, mas ele nunca colocou isso para fora. Naquele domingo, ele estava psicologicamente abalado. Era a morte do Ratzenberger, o acidente grave do Barrichello, o carro ruim, a pressão de vencer? Tudo isso trouxe um piloto em estado de tensão jamais visto. Ele não tinha que provar nada para ninguém, ele era o melhor. Todos reconheciam, inclusive os adversários. Mas para ele isso não bastava, ele tinha que vencer aquela corrida. E venceu. Venceu o medo que ele poderia ter, participou da corrida e, em nome dessa perfeição, acabou morrendo, porque foi o acidente errado, na curva errada, com a consequência errada. (Roberto Cabrini).

"Morreu fazendo o que gostava".
Assim que Senna bateu na Tamburello, o repórter já sabia que o amigo não sairia vivo do hospital. Era um sentimento que batia em seu peito, sem explicações. Cabrini viu que o acidente era grave e ficou impressionado com a quantidade de sangue."No caminho para o hospital, eu refletia com o cinegrafista francês Armand Deus como é que eu faria para noticiar aquilo. Eu sabia que ia anunciar a morte de Ayrton. O tempo todo, eu sabia. Eu tinha visto a gravidade, havia muito sangue e eu sentia que a chance de sobrevivência era mínima. Aquele movimento da cabeça que todos vimos, era só um espasmo muscular", comentou.

Mesmo com todo aquele contexto, com acidentes, morte e pressão, Cabrini não vê erro do amigo ao querer participar do GP. O repórter acredita hoje que é muito fácil pensar em culpados, possibilidades e cuidados depois que o acidente fatal acontece."O Senna morreu fazendo o que gostava, morreu sabendo que a Fórmula 1 era arriscada, sabendo que modificações, às vezes, envolvem arrojo e riscos. Você não pode, por uma fatalidade, fazer um julgamento infinito de tudo e de todos. Eu acho que foi uma fatalidade e acidentes acontecem. A Fórmula 1 sempre soube da sua ideologia, sempre soube que existem acidentes na categoria", pontuou Cabrini."Seria algo inédito os pilotos recusarem correr. Se o Senna não quisesse correr, seria compreensível, mas a decisão de competir também é compreensível. Foi o fim de semana mais sombrio de toda a história da Fórmula, mas ninguém tem bola de cristal", acrescentou o jornalista.

O afastamento da Fórmula 1.
Depois que Senna morreu, Cabrini fez uma longa reflexão e decidiu deixar a cobertura da Fórmula 1. Ele não via mais sentido em seguir acompanhando o esporte sem o amigo competindo e voltou a se dedicar 100% ao jornalismo internacional e investigativo."Pela proximidade que eu tinha com o Ayrton Senna, foi muito difícil. Depois de tudo isso, eu cobri uma série de guerras e outros temas complicados e, com certeza, tudo o que eu vivi em Ímola, em 1994, ajudou a moldar a minha experiência e o meu amadurecimento mental", destacou Cabrini.

Cabrini perdeu um amigo.
O Brasil perdeu o piloto Ayrton Senna. Roberto Cabrini perdeu o amigo Ayrton Senna. Como mostra o documentário especial "O Dia Que Não Terminou", que foi ao ar na TV Record e que agora está disponível para os assinantes do PlayPlus, a relação de ambos era leve, cheia de brincadeiras e zoeiras e admiração mútua pelo compromisso de cada um com a perfeição nas respectivas profissões. Tal comportamento fez com que Cabrini deixasse a tristeza pela morte do amigo guardada. Afinal, o jornalismo estava em primeiro lugar para ele. Pouco depois da tragédia, o repórter permaneceu debruçado na investigação sobre o acidente até entender o verdadeiro motivo que tirou Senna do mundo. Ele concluiu que não houve culpados. Só que a conta para segurar os sentimentos chegou."Claro que houve um momento em que a ficha caiu, em que eu me dei conta de que estava lá, fazendo a cobertura, mas não tinha mais o meu amigo. A necessidade de cobrir isso, investigar a investigação, sempre foi usada de forma a controlar as minhas emoções. É assim que eu convivo com o jornalismo, nunca precisei de analista. Eu não perco a minha sensibilidade, mas me controlo", disse.

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