sexta-feira, 19 de abril de 2024

A tinta de Lira está acabando.


O presidente da Câmara vence no varejo, mas não tem forças para ameaçar a nossa democracia e nem para impor seu objetivo principal: consolidar o arranjo combinado com Bolsonaro.

POR JOSUÉ MEDEIROS

A notícia é recente, mas parece velha de tão rotineira. Contrariado por alguma medida do governo federal, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaça prejudicar os interesses do Executivo no Congresso. De imediato, o campo progressista se alarmou, ainda traumatizado por todas as violências institucionais que a direita vem provocando desde o golpe parlamentar contra Dilma. Entender as reais dimensões desse conflito, portanto, é fundamental para que as forças democráticas possa seguir avançando na reconstrução da nossa democracia. 

A primeira questão é: Lira ameaça a democracia com sua guerra contra Lula? 
Sim e não. Sim, porque Lira, junto ao bolsonarismo, criou um arranjo institucional não previsto na Constituição. Pelo acordo com Bolsonaro, o então presidente transferiu todo o controle do orçamento para o Congresso, buscando proteção para preparar sua tentativa de golpe de Estado. Com a vitória de Lula nas eleições de 2022, Lira adotou uma estratégia ambígua. Por um lado, reconheceu prontamente a vitória e negociou a PEC da Transição, garantindo o funcionamento do governo em 2023. Por outro lado, ele mobilizou seus aliados para tentar preservar o arranjo disfuncional estabelecido com o bolsonarismo. E é justamente a tentativa manter este arranjo que ameaça a democracia brasileira. Contudo, a dinâmica política e institucional do Brasil mudou significativamente com Lula na presidência, liderando uma ampla coalizão com o objetivo de reconstruir a democracia. Essa mudança foi ainda mais acentuada após o 8 de Janeiro. O levante bolsonarista contra os três poderes complicou os planos de Lira, pois fortaleceu uma frente democrática que inclui Lula, o STF, a imprensa, as elites econômicas e também organizações internacionais, com apoio dos Estados Unidos. O fato é: não há condições para reformas institucionais que consolidem o poder de Lira. Tudo que ele faz são avanços táticos, no varejo. E isso fica ainda mais claro considerando que estamos em ano eleitoral e o Congresso logo entra em recesso. Ou seja, a partir de junho e julho, Lira não terá mais condições de guerrear.

O experiente Lira escolhe a dedo as pautas que ele usa como arma: CPIs que podem provocar dores de cabeça ao governo, projetos de lei que alimentam as guerras culturais, ameaças ao STF e, por óbvio, o avanço sobre o orçamento público pelas emendas parlamentares. Lira nunca desafia os pilares fundamentais da economia brasileira ou as políticas públicas essenciais do governo, pois isso elevaria o conflito a um nível extremo. Nas questões econômicas e de políticas públicas centrais, tudo o que o governo propõe é aprovado. No entanto, nas áreas em que Lira consegue avançar, as pautas são, em geral, prejudiciais à promoção dos direitos da população brasileira, como é o caso do Marco Temporal. Mesmo assim, o impacto dessas ações é limitado, já que o STF tem mantido uma postura firme em não permitir que tais agendas progridam.

Nesse momento, Lira não tem forças para ameaçar a nossa democracia e nem para impor seu objetivo principal, o de consolidar institucionalmente o arranjo combinado com Bolsonaro. Ele próprio reconhece que, em uma perspectiva mais estratégica, já foi derrotado. O presidente Lula conseguiu restaurar a dinâmica institucional relacionada aos programas e políticas públicas, bem como o controle do orçamento público pelo Executivo.

O que Lira quer agora é vencer a batalha pela sua própria sucessão e eleger um aliado incondicional como novo presidente da Câmara. Isso não será nada fácil, conforme mostrou sua derrota na votação da prisão de Chiquinho Brazão. A situação de Lira pode se complicar ainda mais até o final do ano, à medida que o governo federal ganha mais controle sobre as emendas parlamentares, integrando-as às dinâmicas das políticas públicas. Além disso, Lula pode sair fortalecido das eleições municipais, especialmente se conseguir eleger aliados estratégicos em cidades-chave.

Até que o Congresso pare por conta das eleições, veremos mais manobras de Lira em sua batalha que, embora se volte contra o governo Lula, busca na verdade assegurar sua sucessão. Mas a fila anda, a tinta de sua caneta está acabando e ele pode ter o mesmo destino de outro outrora poderoso presidente da Câmara, o ex-deputado Eduardo Cunha. 

cartacapital.com.br

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