Investigação da PF aponta venda de ouro por militares na Amazônia e ‘recepção’ a garimpeiro em quartel.

 
Inquérito apura indícios de que oficial fornecia informações privilegiadas 
sobre ações do Exército e da Polícia Federal em troca de propina.

Por Eduardo Gonçalves — Brasília

Uma investigação da Polícia Federal apontou que ouro extraído de garimpos ilegais na Amazônia foi comercializado por militares a mando de um tenente-coronel que coordenava operações na região. Abimael Alves Pinto também é suspeito de “recepcionar” um líder garimpeiro dentro do Batalhão de Infantaria de Selva, em Manaus. A PF apura indícios de que o oficial fornecia informações privilegiadas sobre ações do Exército e PF em troca de propina. Parte desse dinheiro teria sido pago com o minério. Também foi possível constatar que Abimael se utilizou de militares de patente menor para realizar a venda de ouro que conseguia com o garimpo ilegal, atividade essa que realizava dentro do horário de trabalho, diz um trecho do relatório da PF ao qual O GLOBO teve acesso. A PF indiciou o tenente coronel pelos crimes de usurpação de patrimônio da União, lavagem de dinheiro, associação criminosa e tentativa de impedir ação fiscalizadora do Poder Público — ele também é alvo de um inquérito na Justiça Militar.

A defesa de Abimael refuta as acusações e diz que ele teve o seu nome “envolvido injustamente por pessoas inescrupulosas”. “O militar não tem qualquer envolvimento com os garimpeiros, não praticou qualquer ato ilícito e jamais recebeu valores para dar informações privilegiadas que pudessem interferir nas operações de combate aos garimpos ilegais nos estados de Rondônia e Amazonas”, diz nota assinada pelo advogado Fernando Madureira. O Exército afirmou que o tenente-coronel foi indiciado em um inquérito policial militar "com o propósito de apurar a existência de infração penal e a autoria de crimes levantados pela investigação da Polícia Federal". A Força acrescentou que tem "proporcionado total apoio" à PF para os esclarecimentos sobre o caso.

Mensagens interceptadas
Uma das provas elencadas pela PF é um diálogo entre o tenente-coronel e um cabo, em agosto de 2020. O subordinado envia ao superior a foto de um bolo de notas de dinheiro no bolso de um uniforme militar. Segundo os investigadores, o montante havia sido levantado com a venda do ouro retirado de garimpos. Nas mensagens, o cabo diz que está “com medo” de depositar tantas cédulas no banco. "Chefe, é o seguinte, a quantidade de cédulas por envelope é de 20 cédulas. O que o senhor acha? O banco já não dá para entrar ninguém, fechou 15h para depositar na boca do caixa. E eu acho muito perigoso ficar contando dinheiro e botando no envelope lá”, diz ele. Abimael, então, responde: “Pode ir lá. Faça com calma”.

Em outubro de 2020, o mesmo cabo recebe uma ordem do tenente coronel para receber no batalhão uma pessoa de nome “Ildo”. “Um amigo meu, de nome Ildo, irá chegar no Btl (batalhão) às 13:05h. Favor recepcioná-lo e trazê-lo até a 1ª Sç (seção)”, diz a mensagem interceptada. Segundo a PF, Ildo se refere a Aldaildo Fongher, investigado por liderar garimpos ilegais na região do Japurá, no Norte do Amazonas. Ele era o responsável pelo “pagamento do militar de alta patente para fins de repassar informações do EB (Exército) e da PF de combate ao garimpo ilegal”, conforme o relatório. Alvo de um mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça Federal do Amazonas em junho, ele chegou a ser preso em flagrante transportando barras de ouro um mês antes. Atualmente, está em liberdade. A defesa dele não retornou aos questionamentos da reportagem.

"Dinheiro vem de fonte ilegal"
Com base em conversas captadas pela PF, os investigadores concluíram que o tenente-coronel se auto intitulava de “Robin Hood” e sabia da origem ilegal do dinheiro. “Infelizmente, se for fazer uma análise bem correta, esse dinheiro vem de fonte ilegal. Não é imoral, porque não roubamos, mas é ilegal, vem de fonte não oficial e legalizada”, afirma ele em uma mensagem enviada a uma familiar. Em outro diálogo, o militar diz a um amigo que pagaria US$ 1.500.000,00 (R$ 7.500.000,00, na cotação atual) por uma garrafa cheia de mercúrio, segundo a PF. O material pesado costuma ser utilizado para separar o ouro do solo nos garimpos ilegais da Amazônia. “Ei, coronel, por que esse negócio é caro e o que que faz com isso?”, pergunta o interlocutor, que recebe a seguinte resposta do militar: “Esse material que eu tô precisando. Se o cara tiver essa garrafa, eu pago um milhão e meio dólares, beleza? Vê aí a quantidade, 34.5 kg. Se o cara conseguir só 1 kg também, a gente faz a divisão e paga o quilo pra ele, beleza?”.

Em junho, O GLOBO revelou que o tenente-coronel havia recebido cerca de R$ 930.000,00 entre 2020 e 2022, de acordo com a PF. Os pagamentos teriam sido feitos por meio de uma empresa de exportação de minérios sediada em Porto Velho. O dono dessa companhia foi preso preventivamente. Na ocasião, a defesa do militar afirmou que ele “sempre combateu o garimpo ilegal” e que o nome dele foi citado por “criminosos em represália ao seu trabalho”. Ao GLOBO, o advogado disse que aguarda “instrução do processo” para “revelar o nome das pessoas que tentam prejudicá-lo”.

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