É difícil ser tão ruim quanto Bolsonaro, mas Milei tem tentado.
Quem quiser o título deve ser comparável a catástrofes naturais e pragas bíblicas.
Celso Rocha de Barros
A Argentina vai às urnas neste domingo eleger seu novo presidente. O primeiro colocado nas pesquisas é Javier Milei, por vezes chamado de "Bolsonaro argentino". O clã Bolsonaro, de fato, apoia Milei com entusiasmo. É preciso tomar cuidado ao dizer que alguém é o Bolsonaro de outro país. Muito pouca coisa no mundo é tão ruim quanto Jair Bolsonaro. Graças a Bolsonaro, durante alguns meses de 2021 o Brasil teve um terço das mortes por Covid-19 no mundo, mais de dez vezes nossa proporção da população mundial (2,8%). Segundo cálculos do epidemiologista Pedro Hallal, a recusa de ofertas de vacinas pelo governo Bolsonaro causou, só entre janeiro e junho de 2021, 95.000 mortes. Bolsonaro também desmontou os mecanismos de combate à corrupção no Brasil e permitiu que os congressistas apresentassem emendas secretas ao Orçamento (por isso não sofreu impeachment). Realizou pelo menos duas tentativas de golpe de Estado. A primeira, em 7 de setembro de 2021, quando declarou que não obedeceria mais ao Supremo Tribunal Federal. E outra logo depois de sua derrota ano passado. Na semana passada, uma Comissão Parlamentar de Inquérito apontou o ex-presidente como mentor intelectual da destruição da praça dos Três Poderes em 8 de janeiro, ápice de uma onda golpista que se seguiu ao resultado das eleições. Um terrorista que havia ocupado cargo no governo Bolsonaro tentou explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal de 2022.
Ou seja, não basta ser conservador, populista, nem mesmo a versão radical de qualquer uma dessas coisas, para ser "o Bolsonaro" de seu país. Quem quiser o título deve ser comparável, não a outros estadistas, mas a catástrofes naturais e pragas bíblicas. Embora já tenha mentido sobre o número de desaparecidos durante a ditadura, o currículo de Milei como fascista é bem mais modesto que o de Bolsonaro, um ex-militar que já tinha tentado explodir o próprio quartel. O déficit de fascismo de Milei é só parcialmente coberto por sua candidata a vice, Victoria Villarruel, que tem vínculos históricos com os militares presos por crimes da ditadura argentina e chegou a visitar o ex-ditador Jorge Videla.
Mas o programa econômico de Milei é consideravelmente pior do que o de Bolsonaro. Jair sempre admitiu que era completamente ignorante sobre o assunto. O candidato argentino parece estacionado naquele pico de estupidez em que o indivíduo sabe o suficiente para ter convicções fortes, mas não o suficiente para deixar de ser burro: defende extinguir o Banco Central, dolarizar a economia e eliminar órgãos públicos cujo funcionamento, obviamente, não compreende.
Defensores de Milei argumentam que, se eleito, ele terá que moderar essas propostas, e acabará governando como um direitista "normal", só um pouco mais "libertarian". É possível. Mas também é possível que o choque de suas propostas com as instituições acentue em Milei o potencial autoritário que sua vice, seus apoios brasileiros e a energia de sua explosão populista podem trazer.
Espero que os argentinos não aceitem correr esse risco, ou que Javier, se eleito, consiga ser completamente diferente de Jair. O que os brasileiros podem dizer aos argentinos nesse momento é: se for como aqui, será pior do que qualquer coisa que vocês já viram. E, sim, nós também já tínhamos visto muito.
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