Penso que Tebet no Planejamento como um contraponto a Haddad é uma má ideia.


Reinaldo Azevedo  
Colunista do UOL

Se Lula, presidente eleito, tivesse uma compreensão curta da política, não estaria prestes a assumir o seu terceiro mandato. Então é razoável supor que, como se diz lá em Dois Córregos, "quando muitos estão indo com o milho, ele já está voltando com o fubá". Convém a gente respeitar Luiz Inácio, como Luiz Gonzaga devia respeito a Januário, na música de Humberto Teixeira. Mas os sortilégios pelos quais o PT já passou algumas vezes também mostram que se pode errar feio no petismo — e seu líder máximo também pode cometer enganos. Posso estar equivocado — e talvez seja até o mais provável, dada a experiência do, a um só tempo, ex e futuro presidente —, mas considero que será um erro a eventual indicação da senadora Simone Tebet (MDB-MS) para o Ministério do Planejamento. Uma coisa é um ministro ter uma equipe plural de assessores, com ortodoxos, heterodoxos, nem-lá-nem-cá etc. Desde que o chefe consiga conciliar as influências, tudo bem.

Coisa distinta é haver um eventual bifrontismo nas duas pastas mais importantes da econômica, justamente a área em que Tebet mais mostrou dissensões em relação ao PT. Ela tem um perfil mais alinhado com o liberalismo, ou algo parecido — hoje em dia, as nomenclaturas estão um tanto confusas —, e a chance de atrito é grande, por mais lhanas que possam ser as personagens envolvidas. Consta que o MDB quer um Planejamento turbinado pelas PPIs — o plano de parcerias com a iniciativa privada — e também gostaria de levar o Banco do Brasil e a CEF. Se acontecesse, a Haddad sobraria descascar o abacaxi e a Tebet, cantar, como Alceu Valença: "Da manga rosa quero gosto e o sumo/ Melão maduro, sapoti, juá". Ao titular da Fazenda restaria o "beijo travoso de umbu-cajá"... Assim, ainda que a senadora assuma o Planejamento, não creio que leve os bancos públicos no pacote.

Aqui e ali se noticiou que Haddad não achou a ideia exatamente boa, o que o levou a desmentir que tivesse oposto resistência à indicação, embora ele mesmo tenha deixado claro que a ideia inicial, descartados nomes como Persio Arida ou André Lara Resende, era indicar um ex-governador que tenha feito uma gestão virtuosa. Ocorre que uma "doxa" tomou o ambiente político e a imprensa: seria preciso pôr no Planejamento alguém mais afinado com um perfil liberal e mais palatável ao mercado — como se Haddad fosse um bolchevique perigoso. Observo: uma coisa é um economista com orientação historicamente diversa da do PT assumir o Planejamento numa posição de certa polaridade com o titular da Fazenda. Outra, distinta, é entregar o cargo a um político (no caso, a uma política), que pode trançar as pernas com o titular da Fazenda na mesma pista em corrida futura.

Alguma dúvida de que Tebet, no Planejamento, viraria uma espécie de contraponto de plantão a decisões eventualmente polêmicas do titular da Fazenda? Por mais que, no fim das contas, seja Lula a fazer as escolhas, parece-me que o potencial para ruídos é imenso. Eis uma aposta que eu, obviamente, não faria, ainda que a eventual escolha levasse, por um dia, a Bolsa a subir, o dólar a cair, provocando na meninada "duzmercáduz" os frêmitos habituais de antipetismo trazidos ainda dos cueiros. Para o noticiário, seria uma festa. Ademais, se há coisa que sei a esta altura é o seguinte: políticos jamais resistem a uma nota em "off". Nada tem a ver com caráter. É uma deformação profissional. Afinal, todos vivem da competência para criar a fama de que são competentes.

Ainda há ministérios sobrando para contemplar as aspirações do MDB. É evidente que defendo um lugar para Tebet no Ministério de Lula, mas não se pode ignorar que a própria dificuldade de encontrar a pasta já reflete questões que estão postas no futuro, não? Volto ao ponto. Lula não tem a história que tem porque seja idiota ou ingênuo. Talvez esteja a enxergar o que não vejo, e a eventual composição Haddad-Tebet venha a ser um sucesso de público e de crítica. Não é o que antevejo. E, se acontecer, torcerei para estar errado porque acho, à diferença de muita gente, que a principal tarefa do futuro governo é recompor o tecido institucional, que está todo esgarçado. E ninguém precisa de ruídos adicionais na economia. Ademais, se notarem, eles já começaram antes mesmo da oficialização da indicação.

Se Tebet for a escolhida e tudo sair às mil maravilhas, aplaudirei o meu engano. Mas entendo que a senadora teria um papel mais efetivo, até para suas pretensões futuras, se assumisse o que se chama em Brasília de "ministério de entrega" — aquele que comparece com obras e benefícios visíveis à população. O bifrontismo na área econômica acabará entregando fofoca e "offs" em coluna de notas. #prontofalei.

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