O temor em Brasília com o ‘day after’ das eleições.

 
Um dos receios é o de que um placar apertado dê munição para 
Bolsonaro reforçar a artilharia contra as urnas e o processo eleitoral.

Por Rafael Moraes Moura — Brasília

A possibilidade de a disputa pelo Palácio do Planalto terminar com uma margem apertada de votos, de menos de 4 milhões de votos ou até menos, é considerada altamente provável, seja quem for o vencedor. Por isso, preocupa generais e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal de Contas da União (TCU) ouvidos reservadamente pela equipe da coluna. “O mês de novembro pode ser um inferno”, desabafa um ministro do STF sobre os cenários apontados pelas pesquisas – de um favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas por uma diferença pequena de votos. Um dos temores é o de que um placar apertado dê munição para o presidente Jair Bolsonaro reforçar a artilharia contra as urnas eletrônicas e o TSE - ou mesmo contra novos alvos, como emissoras de rádio do Nordeste - se recusando a reconhecer uma eventual derrota no voto popular.

Um ministro do TCU considera a disputa “imprevisível” e evita apostar em Lula ou Bolsonaro, mas avalia que qualquer que seja o vencedor, a diferença será de apenas 1,5 milhão de votos. Esse magistrado teme que o país mergulhe um “caos institucional”, mesmo que não logo depois das eleições. Experiente, o ministro diz temer que o petista enfrente um Congresso hostil e tenha dificuldade de construir consensos e aprovar seus projetos.

Ministros do STF fazem diagnóstico parecido e apontam que, independentemente de quem saia vencedor, o futuro presidente da República não vai conseguir unificar o país – nem vai distensionar o ambiente. “O caos será depois das eleições”, prevê um magistrado com bom trânsito com o Parlamento. A preocupação com o dia seguinte às eleições também chegou às Forças Armadas, que foram arrastadas para o centro da arena política após serem convidadas pelo TSE para integrar uma comissão sobre transparência eleitoral. O objetivo do TSE era aproximar a caserna do processo eleitoral, para validá-lo, mas os militares acabaram sendo usados pelo Palácio do Planalto para lançar uma série de suspeitas contra as urnas – um sistema que, convém ressaltar, eles mesmos ajudaram a criar. "Qualquer que seja a margem, a eventual vitória do adversário vai levar o atual governo (e seus apoiadores) a uma reação desproporcional. Não está nos planos deles outra hipótese a não ser a vitória”, diz um general que integrou o primeiro escalão do governo Bolsonaro. A principal preocupação é com “dois meses de balbúrdia” – eventuais greves de caminhoneiros bolsonaristas, acirramento da violência política nas ruas e fuga de capitais estrangeiros com a turbulência.

Em entrevista ao Jornal Nacional, em agosto, Bolsonaro disse que reconheceria o resultado das eleições, desde que elas sejam “limpas” e “transparentes”, mas não esclareceu o que queria dizer. Em 2014, quando o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) foi derrotado por Dilma Rousseff (PT) por apenas 3,5 milhões de votos de diferença – 51,64% a 48,36% –, o PSDB contratou uma auditoria própria para verificar eventuais irregularidades na apuração dos votos. O trabalho não encontrou fraudes, mas trouxe a conclusão de que o sistema “não está projetado para permitir auditoria externa independente e efetiva dos resultados”. De lá pra cá, o TSE ampliou a transparência do sistema e acolheu sugestões de entidades e das Forças Armadas para melhorar a auditagem das urnas.

Segundo turno: como Lula e Bolsonaro disputam o voto em Minas Gerais
Um integrante do núcleo duro da campanha de Lula admite que seria um “desastre” uma repetição do filme visto no ano passado nas eleições do Peru, onde Pedro Castillo obteve 50,125% dos votos válidos, contra 49,875% de Keiko Fujimori – uma diferença de apenas 44.058 votos em um eleitorado de 24,8 milhões de pessoas. Keiko não aceitou o resultado, acusou o adversário de fraude e acionou a Justiça, em um imbróglio que se arrastou por dias.

O sistema eletrônico de votação é utilizado pelos eleitores brasileiros desde 1996, e até hoje nenhuma acusação de fraude foi comprovada. Ou seja, as eleições brasileiras são limpas e transparentes desde a adoção das urnas. Os receios com o “day after” das eleições fez servidores do TSE cancelarem recentemente uma festa interna que iriam promover após a apuração para comemorar o fim dos trabalhos. Após longas jornadas de trabalho sem descanso ao longo dos últimos meses, eles planejavam se reunir depois do segundo turno para celebrar o sucesso das eleições. Mas, com o receio de que o encontro fosse interpretado como um endosso a um eventual resultado das urnas, prevaleceu o entendimento de que seria melhor abandonar a ideia.

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