Talvez o tempo não exista. Quais são as implicações científicas disso?


Por Daniele Cavalcante | Editado por Rafael Rigues 

Será que o tempo existe enquanto entidade física? Ou seria ele apenas um conceito humano? De acordo com a relatividade geral, o espaço e o tempo são uma única estrutura inseparável, mas alguns físicos estão desconfiados de que isso pode não ser totalmente correto. Explicamos a "treta" nesta matéria, bem como as implicações de um universo onde o tempo não existe.

O tempo pode avançar para frente e para trás ao mesmo tempo na mecânica quântica. Experimento quântico mostra que nosso universo pode não ser holográfico; entenda
Um dos maiores (senão o maior) problemas da ciência atual é a aparente incompatibilidade da relatividade geral com a mecânica quântica. Isso leva alguns físicos a questionar se Albert Einstein estava realmente certo em absolutamente tudo o que postulou nas suas famosas teorias. É que, ao contrário das outras três forças da natureza (força forte, força fraca e força eletromagnética), a gravidade não faz sentido no mundo das partículas. Em outras palavras, não existe uma explicação para a gravidade na mecânica quântica, e isso deixa os cientistas muito confusos. Se todo o universo pode ser explicado através das partículas fundamentais (bósons, quarks e fótons, por exemplo), por que a gravidade seria uma exceção?

Uma possível gravidade quântica
Algumas hipóteses tentam preencher essa lacuna, muitas delas por meio de uma nova teoria da gravidade quântica. Entre estas, os físicos buscam uma partícula fundamental da qual a gravidade surge, do mesmo modo que a luz surge dos fótons. Uma das partículas hipotéticas candidatas é o gráviton. Se ele existir, deve ser um bóson com massa de repouso igual a zero e que sempre atrai a matéria — nunca afastando. Mas ainda não foram encontradas evidências de partículas com as propriedades previstas para o gráviton. Ainda assim, ele pode existir. Ou, talvez, a gravidade seja feita de outra coisa, como sugere a Teoria das Cordas, a ideia do espaço-tempo modular ou do espaço-tempo feito de “pixels”. Todos eles estão igualmente sem nenhuma evidência para comprová-las — aliás, ainda nem sequer existe tecnologia para testar essas hipóteses.

Outra hipótese é a Gravidade Quântica de Loop (LQG), que sugere um espaço-tempo feito de uma série de loops entrelaçados em escalas mínimas de tamanho. Eles seriam tão pequenos que apenas perceberíamos na escala de Planck, ou seja, algo como um trilionésimo de um trilionésimo de um trilionésimo de um metro. Ainda há outros problemas com os quais os físicos teóricos se preocupam. Um deles é que, se existir alguma partícula fundamental da gravidade, nossa compreensão de espaço-tempo pode ser colocada em xeque. Isso porque a gravidade, o espaço e o tempo estão intrinsecamente relacionados. Na relatividade geral de Albert Einstein, a gravidade deixa de ser uma força de atração entre dois corpos (conforme era descrita por Isaac Newton) e passa a ser uma deformação no espaço-tempo, causada pela matéria de acordo com sua massa.

Pense da seguinte forma: na relatividade geral, o espaço e o tempo são uma coisa só, uma espécie de “tecido”, e a gravidade é a maneira como os objetos interagem com esse tecido. Mas se houver algo como o gráviton ou os loops gravitacionais, a gravidade se torna independente do espaço-tempo.

Mas e o tempo?
Se porventura os físicos conseguirem comprovar uma nova teoria gravitacional que não inclui o espaço-tempo, será que o tempo sequer existe? Talvez, e isso pode nos trazer alguns problemas filosóficos, já que a nossa sociedade depende muito do conceito de passagem do tempo. Na verdade, toda a agência humana parece depender disso. A agência humana, isto é, o nosso arbítrio, é afetado pelas nossas estruturas sociais, muitas delas conectadas ao relógio e ao calendário. Precisamos acordar em determinados horários, para cumprir determinada função em uma determinada janela de “tempo”, que chamamos de “jornada de trabalho”. Julgamos nosso passado e planejamos nosso futuro baseados no tempo. Entretanto, se o tempo não existe, o universo pode não fazer sentido o suficiente para mantermos esse status enquanto sociedade. Será que isso nos levaria a uma nova forma de encarar a vida e nosso propósito enquanto espécie?

A relatividade geral nos ajudou a encontrar uma bússola que parece apontar para nosso lugar no universo. Se pensarmos no espaço e tempo como uma única estrutura que se expande continuamente, podemos encarar o Big Bang como início de tudo e tentar predizer como será o fim. Principalmente, saberemos onde estamos neste grande drama cósmico. Por outro lado, se o tempo não é mais necessário para explicar a gravidade (e, por consequência, for desnecessário para explicar o espaço), então provavelmente o tempo não existe. Ou melhor, não passa de uma invenção humana para nos sentirmos mais confortáveis com eventos simples, como a noite e o amanhecer de um dia após o outro. Pior ainda, julgamos culpados de ações “ruins” baseados no passado e planejamos nossas vidas baseados no futuro. Se o tempo não existe, será que estamos apenas nos iludindo com uma suposta agência ou arbítrio? Será que somos apenas uma aleatoriedade no universo, fluindo no cosmos como as ondas de um mar indiferente à passagem das horas de um relógio?

Saídas filosóficas
Bem, se essa for uma ideia incômoda para nós, pode ser que nem tudo esteja perdido. Se o tempo não existir, os cientistas teóricos ainda têm um conceito ao qual podemos nos agarrar: o de causa e consequência, também conhecido como causalidade. Talvez, ao contrário do que sugere a relatividade geral, a característica básica do nosso universo não seja o tempo (e espaço), mas sim a causalidade. A história do cosmos poderia ser sobre causa e efeito, reações em cadeia, partículas decaindo e formando átomos desde o início do tempo… quer dizer, do espaço. Se isso estiver correto, então o arbítrio ainda pode ser um conceito real, pois seria possível reconstruir um sistema e um senso de agência inteiramente em termos de causa e consequência. Não nos basearíamos no relógio, mas na causa por trás dos acordos sociais que nos levam a acordar para nossas atividades. Os dias, horas e minutos seriam apenas uma convenção.

Por outro lado, essa percepção pode nos levar à conclusão de que nossas existências estavam pré-determinadas desde o Big Bang. Como disse certa vez Stephen Hawking, se tudo o que existe é um efeito em cascata de causas e consequências, então o plasma de quark-glúon dos primeiros instantes do universo já estava destinado a dar origem à matéria; às estrelas; aos planetas; às formas de vida — como nós. Essa visão pré-determinista não é exatamente condizente com a mecânica quântica. Muito pelo contrário. Alguns cientistas, na verdade, propõem que o universo não seguiu uma lógica de causa e consequência para se formar, mas muda as leis da natureza conforme evolui. O debate parece longe de acabar e, embora pareça meramente filosófico, envolve a física moderna e está entrelaçado com as próximas descobertas em aceleradores de partículas — como o LHC do CERN, reativado após três anos de hiato. Será empolgante acompanhar tudo isso.

As implicações filosóficas sobre a possível inexistência do tempo físico foram discutidas no livro Out of Time, de Samuel Baron, Kristie Miller, e Jonathan Tallant, lançado em 14 de abril deste ano (ainda sem tradução em português).

Fonte: Live Science
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