Secretária de Enfrentamento à Covid-19 deixa Ministério da Saúde dez dias depois de ser anunciada.

 
Luana Araújo é médica infectologista e deve ser substituída por outro nome de 
"perfil técnico", diz pasta; ministro se negou a dizer o motivo da infectologista.

Gabriel Shinohara e Renata Mariz

BRASÍLIA — A secretária de Enfrentamento à Covid-19, Luana Araújo, deixou o Ministério da Saúde dez dias após ser anunciada. De acordo com nota oficial, a pasta está em busca de outro nome de perfil técnico e com atuação baseada em evidências científicas. A saída da médica é atribuída, nos bastidores, a pressões do governo que ela não teria aceitado em relação à condução da pandemia. "O Ministério da Saúde informa que a médica infectologista Luana Araújo, anunciada para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, não exercerá a função. A pasta busca por outro nome com perfil profissional semelhante: técnico e baseado em evidências científicas. A pasta agradece à profissional pelos serviços prestados e deseja sucesso na sua trajetória", diz a nota da pasta, sem informar o motivo da saída da médica.

Araújo havia sido anunciada para o cargo no último dia 12 pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ela é formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-graduada em epidemiologia na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. O GLOBO tentou contato com a médica, mas não obteve retorno. Em nota oficial divulgada pelo seu perfil no Instagram, a médica não deixou claro a motivação de sua saída, mas ressaltou que em seu discurso de apresentação fez questão de evidenciar uma "postura técnica" e baseada em evidências. "Em meu discurso de apresentação, fiz questão de evidenciar minha postura técnica, baseada em evidências, pautada pelo juramento médico que fiz e que norteia todas as minhas atitudes. Vejo a ciência como ferramenta de produção de conhecimento e de educação para a priorização da vida, sempre, como objetivo maior"Na mesma nota, ela disse que conseguiu desenvolver trabalhos como o plano de testagem anunciado neste sábado pelo ministério. Além disso, desejou sorte ao ministro Marcelo Queiroga  pela "oportunidade, confiança e exemplarismo""Saio desta experiência como entrei: pela porta da frente, com a consciência e o coração tranquilos, ciente de que neste curto período entreguei o melhor da minha capacidade de acordo com os princípios que tenho como profissional especialista na área: ética, cientificidade, agilidade, eficiência, empatia e assistência".

Posicionamentos
No dia em que ela foi anunciada, o GLOBO mostrou que a infectologista tinha feito manifestações contrárias ao uso de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina no tratamento contra a doença, inclusive em pacientes com sintomas leves. No Twitter, ela afirmou que se tratava de "neocurandeirismo" e destacou o "Brasil na vanguarda da estupidez mundial" ao comentar uma postagem de apoio ao uso da hidroxicloroquina na rede social. Depois da publicação da reportagem, a médica apagou sua conta na rede social. Os remédios, sem eficácia comprovada para a Covid-19, são defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro e por integrantes do governo como parte do chamado "tratamento precoce" e constam, inclusive, de orientação da pasta para o atendimento aos doentes, baixada pelo ex-ministro Eduardo Pazuello no ano passado. A postagem que havia originado os comentários de Araújo é uma nota da Associação Médica Brasileira, de julho do ano passado, defendendo a autonomia do médico em prescrever a hidroxicloroquina. Em meio a mensagens de internautas parabenizando e criticando a entidade, a médica escreveu: "Neocurandeirismo. Iluminismo às avessas. Brasil na vanguarda da estupidez mundial".

Na sequência de comentários no Twitter, ao responder a um perfil que hoje aparece como suspenso na rede social, Araújo destacou, usando a sigla HCQ para hidroxicloroquina: "Feliz por você, mas não há qualquer evidência a favor (e muita contrária) à eficiência da HCQ. Seus pacientes devem ter se recuperado em função da competência de suporte de vocês, aliada à história da doença. Nada de pseudoterapia".

Em coletiva à imprensa neste sábado para falar da medidas sobre a variante indiana, o ministro Marcelo Queiroga se negou a dizer o motivo da saída da infectologista Luana Araújo, anunciada há 10 dias como secretária especial da Covid-19, departamento criado por ele na pasta para centralizar as ações. Ele negou haver pressões do Palácio do Planalto para que a nomeação não se concretizasse, já que a médica já tinha se manifestado anteriormente contra remédios como cloroquina, sem eficácia comprovada para a Covid-19, como revelou o GLOBO: — Não tem pressão do Palácio do Planalto. Esse é um assunto que considero encerrado. A doutora Luana é uma excelente médica e nós vamos buscar um perfil semelhante ao dela para trabalhar aqui conosco.

Ao ser perguntando novamente sobre o motivo da saída, Queiroga foi ríspido: — Já falei acerca da doutora Luana. Esse é um assunto que nós consideramos encerrado. Não vou mais abordar esse assunto.

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