SANTOS CRUZ CRITICA BOLSONARO: 'POPULISMO BARATO NÃO VAI FURAR BLOQUEIO DAS FORÇAS ARMADAS'.

 
General e ex-ministro palaciano diz ser 'muito difícil' 
que governo 'pare de brigar e trabalhe'.

GUILHERME AMADO

O governo Bolsonaro vai péssimo na pandemia, o presidente se vale de um "populismo barato" para tentar arrastar as Forças Armadas à arena política e os bolsonaristas estão destruindo a direita. São as opiniões do general Alberto Santos Cruz, que no primeiro semestre do governo despachava no Palácio do Planalto, à frente da Secretaria de Governo, ministério da articulação política. Em entrevista à coluna, Santos Cruz cobrou responsabilidade de Jair Bolsonaro — que conhece há quatro décadas — por seu "rosário de bobagens" durante a pandemia, que já matou 222.000 brasileiros.

O general de 68 anos que comandou missões de paz da ONU no Haiti e no Congo acenou com a possibilidade de voltar a ter um cargo público e criticou Carlos e Eduardo Bolsonaro.

Leia os principais trechos da entrevista.

Que tal a condução da pandemia pelo governo Bolsonaro?
É muito incoerente, inconsequente. Absurdamente mal administrada, desde o início. Isso aí é uma história de pesadelo, no conjunto todo: relacionamento político, comportamento institucional, comportamento pessoal. É uma lástima. E é um governo que foi eleito legitimamente.

Apesar de o presidente falar em fraude...
Mais uma falta de responsabilidade. Também tem um problema de inteligência aí. Nunca vi uma pessoa contestar uma eleição que ela mesmo ganhou. Se você acha que tem fraude, tem que apresentar as provas. Ou então responda na Justiça por que você está colocando em descrédito um processo institucional. Isso leva insegurança à população, e leva os radicais até à violência. Você não pode ser tão irresponsável sem ter cobrança nenhuma.

No dia seguinte à invasão do Congresso americano, no começo do mês, Bolsonaro insinuou que poderemos ter o mesmo no Brasil em 2022.
Toda vez que uma autoridade desse nível coloca em descrédito uma instituição, tem que ser responsabilizada. Ou então, dá ideias para melhorar. Tem várias maneiras de aperfeiçoar o sistema. Fica um populismo barato, né?

Como avalia a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde?
O Pazuello pegou no meio do caminho, com uma situação complexa e, por uma fidelidade às ideias do presidente, também entrou num desgaste muito forte. Se você segue ideias ruins, também se responsabiliza por elas. Você não pode querer que, num governo que vive num contexto de trapalhada, o ministro consiga fazer um canal limpíssimo de administração. Pazuello assumiu num ambiente totalmente deteriorado. A China não foi palco de xingamentos do presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara (Eduardo Bolsonaro), do chanceler e de toda a turma fanática? Agora estão querendo surfar na onda da vacina? O governo tem de parar de brigar e trabalhar. A população está esgotada de besteira. Só quem não cansa são os fanáticos, porque se alimentam disso. A avaliação precisa ser de governo, e é péssima.

Pazuello já disse, ao lado de Bolsonaro: 'Um manda e o outro obedece'. Como general, precisa mostrar fidelidade ao presidente?
Isso aí não tem nada a ver. O presidente, como comandante supremo das Forças Armadas na situação de defesa nacional, não tem nada a ver com a situação de um ministro. É entre presidente e ministro, não entre comandante em chefe e general. Existe uma percepção na população que confunde isso, e acaba gerando uma confusão institucional, de que é o Exército que está trabalhando junto. É ruim para as Forças Armadas. Para a massa da população, você não consegue tirar o general do nome.

Há chances de o governo Bolsonaro parar de brigar e trabalhar?
É muito difícil que isso aconteça. Até porque você não trabalha forçado, né? Sua personalidade acaba se manifestando. Você pode ficar quieto por um tempinho, mas depois extravasa novamente sua característica. Estamos no terceiro ano de governo, e são as mesmas piadas da véspera da eleição de 2018. Falando do PT, de Lula, agora do Doria, da vacina. A crise da Covid não passou, é preciso auxiliar as pessoas e não tem dinheiro. A expectativa econômica não tem nada de maravilhosa, assim como não foi em 2019. Foi o PIB que o Temer conseguiu com uma aprovação baixíssima.

Onde começou o erro de Bolsonaro na pandemia?
É uma grande confusão que começou quando o governo não teve peito de assumir a responsabilidade e dizer: 'A bola está comigo'. Esses dias o Internacional, meu time, ganhou do Grêmio com um pênalti no último minuto. Quem bateu? O capitão do time, ora. Fim de jogo, fazia dois anos e meio que não vencia o rival, liderança do campeonato em jogo... O capitão põe a bola embaixo do braço e diz: 'O problema está comigo, vou resolver'. O presidente tem muitos mecanismos: Tesouro Nacional, Orçamento, a lei a seu favor, tem tudo. É a obrigação do sujeito assumir a responsabilidade. Só não assume quando tem medo. No fim do ano, todo mundo alertando para evitar aglomerações nas famílias, aí você vai e dá o seu show em Praia Grande, não sei mais onde... Isso aí tem consequência para todos. Uma paixão pela tal da cloroquina. Uma autoridade não pode se apaixonar por um remédio e sair fazendo propaganda. Sem falar no rosário de besteiras, de bobagens, que se perde. Tem que fazer um documento histórico, né?

Em 2018, o sr. esperava essas condutas do governo Bolsonaro?
Os eleitores do Bolsonaro, assim como eu, se empenharam na esperança de que fossem fazer uma política diferente. E nada disso aconteceu. O PT destruiu a esquerda. E essa turma que está aí está destruindo a direita. Isso é um dos maiores absurdos. A esperança da população que votou anti-PT era ter outro tipo de comportamento. Arrumar confusão todo dia, cultuar personalidade, fazer ataques pessoais, isso não é direita, está dando um mau exemplo. A população equilibrada vê e fala: 'Mas isso é a direita?'. Vai pegar até mal o cara dizer que é de direita, porque vão falar: 'Então você é desse bando de malucos'. Nas eleições municipais, já vimos que a grande massa não está gostando desses extremos. Graças a Deus, o Brasil deve partir para um ponto de equilíbrio.

Desde a sua saída do governo, Carlos Bolsonaro continua xingando autoridades em redes sociais.
É isso o que eu chamo de a destruição da direita. É um exemplo clássico. Gente desqualificada, tentando se projetar dessa forma, ele e outros. Uma pessoa de bom senso pergunta: 'Isso é a direita?'. A intensidade da idiotice é muito forte.

O sr. aceitaria outro cargo público?
Talvez. Mas neste governo, não. Tive a minha oportunidade com este governo. Fui convidado por vários partidos políticos. Confesso que não sou entusiasmado com filiação. Mas não vejo nada demais em concorrer.  

O que achou da fala de Bolsonaro de que são as Forças Armadas que decidem se um povo vive numa democracia?
Não tem cabimento, não tem fundamento. É falta da mínima noção institucional. Não são as Forças Armadas coisa nenhuma. Isso aí é uma tentativa de arrastar as Forças Armadas para o jogo político.

E Bolsonaro está conseguindo?
Não. E se Deus quiser não vai conseguir. Não é um populismo barato que vai furar esse bloqueio. É preciso confiar nos comandantes militares. Pega o currículo do Pujol (general Edson Pujol, comandante do Exército). Tem o comportamento exemplar, é discreto, não dá opinião sobre política, e o resto da tropa segue. Normalmente nas Forças Armadas a liderança é muito reforçada.

Sente falta de despachar no Planalto?
Não. Isso aí é o máximo da mediocridade. Quem se importar com isso, com status, tem que vestir uma placa escrita: 'Medíocre'. É besteira. E a Covid não escolhe se você é ministro ou não. E assim é a vida.  

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