Monja Coen diz que 2021 vai exigir resiliência: 'Ano de arar e preparar o solo para uma nova plantação'.

 
Isolada desde março, líder espiritual fala sobre rotina durante 
pandemia, os livros que escreveu e a impermanência da vida.

POR LUANA BENEDITO

Rio - Aos 73 anos, Monja Coen — uma das mais conhecidas representantes do Zen Budismo no Brasil — segue isolada, desde março, no templo em que reside em São Paulo. Ali suas companhias são uma discípula, um gato e três cachorras. O cenário é bem diferente da rotina da ex-jornalista quando não havia pandemia da covid-19, em que recebia alunos, viajava pelo país com palestras motivacionais em empresas, universidades e escolas, visitava a filha, a neta e dois bisnetos. Em entrevista ao O DIA, a líder espiritual conta que escreveu muitos livros nesses nove meses e diz que 2021 vai exigir ainda mais resiliência. “Vai ser um ano de revolver, arar e preparar o solo para uma nova plantação, que vai começar a surgir em 2022 e 2023”, reflete.

O DIA – Monja Coen, a senhora está isolada desde março. Como tem sido?
Monja Coen: Eu moro com uma discípula minha, que é uma monja. Ela teve trombose há uns anos e ficou muito assustada, porque acha que não pode pegar o vírus de jeito nenhum se não ela vai morrer. Então, eu fico em casa presa com ela. E ela exige que eu não saia para lugar nenhum, então, eu não saio. Estou, desde o dia 16 de março, trancada dentro do templo. Nós moramos numa parte do templo. O templo é muito pequeno, é uma casa comum, que virou templo. Assim, estamos as duas aqui com três cadelinhas e um gato.

O DIA – E o que a senhora fez e tem feito?
Monja Coen: A nossa vida girou, nos primeiros meses, em lavar roupa, passar... Passar eu não passei, não. Comprar comida... Mas a gente não saiu nenhuma vez. Tem uma pessoa que nos ajuda e vai ao mercado, compra, deixa lá na entrada e passa álcool em tudo. Aquilo que todo mundo fez, mas nós mantemos o distanciamento e a limpeza com muita severidade até hoje. Veja a Nicette Bruno. Ela estava em completo isolamento até um dia que um parente, que mora nas proximidades, queria visitá-la. Estava com a covid-19, passou para ela e ela morreu. Então, esses casos nos fazem muito alarme de que é importante não encontrar ninguém.

O DIA – Mas a senhora escreveu livros nesse período, certo?
Monja Coen: Eu escrevi nem sei quantos livros, foram muitos. Foi publicado o livro “Ponto de Partida”, depois disso eu fiz um chamado “Vírus”, que foi independente. Depois, eu fiz “Vida-Morte”, que acabou de ser publicado agora. O box da Papirus [editora] não escrevi ele todo, só escrevi alguns capítulos e lançamos eu, Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal e Clóvis de Barros Filho. Escrevi um outro livro que chama “Cura”, que está sendo editado agora, e “Contágio”, que vai ser lançado em janeiro. Eu escrevi sete, oito livros nesse período.

O DIA – A senhora acha que a humanidade vai sair diferente dessa pandemia?
Monja Coen: O que temos é uma sensação de que somos muito egoicos, que a maioria de nós só pensa em si mesmo, só pensa “no que eu sempre fiz e quero continuar fazendo do meu jeito”. A ideia de que “ninguém manda em mim e vou fazer o que eu quero”, “vou continuar andando sem máscara, porque me incomoda e não vou usar”.

O DIA – Muitas pessoas estão esperançosas que após a vacina a vida vai voltar a ser o que era. Como a senhora enxerga isso?
Monja Coen: A vacina é uma grande esperança, mas ninguém volta ao que era. Não existe volta. O planeta Terra não para e diz: ‘vou lá para trás que era melhor’. Não existe. É daqui pra frente.

O DIA – Mas tem algum ensinamento que essa pandemia pode ter deixado?
Monja Coen: Alguns de nós aprendemos a viver com mais simplicidade, a ter mais solidariedade, a perceber as dificuldades de classes sociais muito desiguais. Percebemos a falta de saneamento básico em muitas cidades. E a gente olha e fala: 'isso precisa ser cuidado'. E percebemos que todos nós estamos sujeitos ao mesmo vírus. Vai melhorar? Eu gostaria que as pessoas depois de uma experiência como essa melhorassem. Algumas melhoraram, outras não.

O DIA – Um novo ano se aproxima, há algo que possa ser feito para um 2021 melhor?
Monja Coen: Fim de ano no Japão, todo mundo faz faxina geral na casa. A gente tem que dizer ‘tirar tudo que é velho, que não usa para deixar espaço para o novo entrar’. No horóscopo chinês, esse ano que está terminando agora é o ano do rato. O rato roeu a roupa do rei de Roma, lembra disso? O rato rói. E quem vem chegando aí é o touro. O touro tem o símbolo da força, o touro é um reprodutor. O touro faz o quê? Eles nos ajuda a arar a terra, então, é um momento agora... A nossa colheita acabou, praticamente, por causa da doença, da economia estar indo muito pra baixo. Então, está na hora de arar o solo.

O DIA – Como a senhora acredita que vai ser o próximo ano?
Monja Coen: Eu acho que o ano de 2021 vai ser um ano de revolver esse solo, de arar, de preparar o solo para uma nova plantação, que vai começar a surgir em 2022 e 2023. [2021] Vai ser o ano das vacinas, de distanciamento, ano de máscara, ano de ficarmos mais quietos em casa e aqueles que estão saindo vão aumentar o contágio. Dois mil e vinte um vai exigir muito mais resiliência. Aguenta mais um pouco.

O DIA – Resiliência e distanciamento?
Monja Coen: Acredito que os líderes internacionais sabiam disso desde o começo, mas como você vai dizer para uma população: 'Vocês vão ficar presos em casa de dois a três anos'? Tem muita gente que ia pirar no primeiro dia, que sairia surtado pela rua, assaltando, invadindo lojas e casas. “Já que vai todo mundo morrer mesmo”... Porque a ideia seria essa: “já que não tem cura e eu vou ter que ficar em casa”... Muita coisa foi evitada com as lideranças falando 'é só mais uma semana' e a gente de semana em semana passou um ano.

O DIA – A senhora fala muito sobre impermanência, mas por que é tão difícil aceitar que não controlamos nada?
Monja Coen: A gente tem muito pouco controle. Nós temos o controle da respiração, por isso eu sempre ensino as pessoas a fazerem respiração consciente. Nós nos achamos, né? Nós somos poeirinha cósmica... Se olhar o planeta Terra de longe, a gente não vê nenhuma pessoinha de tão insignificante que nós somos. Mas nós temos uma arma de proteção que é o ego. É o ego que me faz me sentir o máximo, que sou mais que os outros, porque isso é importante para nossa sobrevivência. Só que a gente tem que se lembrar que temos o ego, mas também temos outros aspectos e perceber que nós só vivemos em grupo, que nós nos fortalecemos uns nos outros e que precisamos de todas as outras formas de vida para a sobrevivência. E quando a gente se dá conta disso, a gente começa a cuidar.

O DIA – Mas a gente está sempre pensando que pode controlar e que sabe o que está por vir.
Monja Coen: Nós criamos uma ideia de estabilidade que nunca existiu. Nós nunca soubemos o que iria acontecer no dia seguinte, nós não sabemos. Nós não sabemos o que vai acontecer daqui um minuto, mas ao mesmo tempo, nós planejamos, nos organizamos. Se der certo como a gente planejou, está bom. Se não der, nós nos adaptamos. A vida está sempre por um fio. Nós pretendemos, nós fingimos que não está. Eu acho que a pandemia veio mostrar isso, que a qualquer hora tudo pode mudar. A vida é movimento e transformação. A impermanência é a única coisa que é permanente, porque não há nada fixo.

O DIA – E como não perder a capacidade de apreciar a vida mesmo diante da pandemia?
Monja Coen: Nós estamos vivos. A primeira coisa é lembrar de agradecer a vida, que pulsa em nós. Agradecer a nossa capacidade de respirar sem aparelhos, de não estar precisando de um leito hospitalar e que a gente possa facilitar para que um menor número de pessoas precise ficar hospitalizado. Então, só isso já surge uma gratidão. Gratidão por todos aqueles que estão se arriscando para que a gente fique em casa.

O DIA – Gratidão é o caminho?
Monja Coen: Sim, gratidão pelos garis, que retiram nossos lixos, as pessoas que fazem entrega, são pessoas simples, são pessoas pobres. Eu vejo tantos jovens que vêm aqui na minha porta, porque as pessoas me mandam presentes. Às vezes, eu peço comida. E eu fico pensando 'esses meninos e essas meninas estão se expondo pra eu não sair de casa', o mínimo que eu posso fazer é dar uma gorjeta um pouco melhor, dar um carinho, dar um olhar mesmo de longe e agradecer: 'obrigada'. É um pouco a gente sair do nosso lado egoico e perceber como nós precisamos de tantas pessoas, nem que seja para sobreviver em casa.

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