Eleições 2020: TSE prepara cerco às fake news e ao uso de robôs nas redes sociais.


Em entrevista ao GLOBO, Barroso detalha acordo com plataformas para retirar do 
ar disseminadores de mentiras, mas admite que é impossível erradicar o problema.
Carolina Brígido 
e Francisco Leali

BRASÍLIA — O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, fez acordo com as principais plataformas de redes sociais para retirarem do ar perfis falsos e disseminadores de fake news independentemente de ordem judicial. Barroso admite, no entanto, que “é impossível eliminar o risco de fake news” nas eleições. De máscara dentro de um carro que o conduzia pelas ruas de São Paulo na sexta-feira, Barroso deu entrevista remota ao GLOBO, detalhando os procedimentos de proteção que estão previstos para evitar contaminação durante a campanha e o dia da votação. Barroso garante ser zero o risco de a urna eletrônica ser foco de contágio. Nascido no Rio, ele lamenta a situação da política local. “É inegável que há um problema institucional estrutural na política do Rio de Janeiro”, diz.

O debate sobre fake news nas campanhas é um tema da eleição. Para o senhor, as plataformas devem controlar o conteúdo das postagens?
Como linha de princípio, não deve haver controle de conteúdo, mas deve haver sim o cuidadoso controle do que se tem chamado de comportamentos coordenados inautênticos. O TSE já formalizou parceria com todas as principais mídias sociais: WhatsApp, Facebook, Instagram, Google para a utilização de ferramentas, algumas especialmente desenvolvidas para detectar esses comportamentos condenáveis na rede, que incluem uso de robôs, o uso de perfis falsos e impulsionamentos ilegais. Há um compromisso das plataformas de, por meios tecnológico, enfrentarem. É impossível eliminar o risco de fake news, mas estamos tratando essa questão com grande empenho e profissionalismo. Temos parceria com as principais agências checadoras de notícias e fizemos uma parceria com as empresas de telefonia para que todos os eleitores por dois meses tenham acesso gratuito via internet à página do TSE para obterem informações confiáveis.

Uma vez que a plataforma detectar o comportamento atípico, o que pode ser feito?
Uma vez detectados esses comportamentos inautênticos, você remove a conta.

Será necessária determinação judicial?
Não. Você pode até ter remoção de conteúdos por determinação judicial. Mas a parceria que nós fizemos é para a remoção pelas próprias plataformas assim que detectado o problema. Inclusive vamos ter um canal direto com o TSE que qualquer pessoa que esteja recebendo impulsionamento que considere inautêntico, nós automaticamente comunicamos a mídia social e ela retira, se achar que é o caso.

Os conteúdos mentirosos devem ser removidos?
A caracterização das fake news pode ser simples em alguns casos e, em outros, pode ser complexo. Por exemplo: se um candidato acusar o outro de ter sido condenado por pedofilia, esse é um fato objetivo. Em outra situação, se um candidato disser que o outro tem o apoio da milícia e o outro responder que o outro candidato tem o apoio de gente ligado à corrupção, esse vai ser um debate público e provavelmente a Justiça não vai querer interferir. O nosso enfoque é o controle de comportamentos, e não a investigação de conteúdos. O controle de comportamentos envolve muitas vezes enfrentar milícias organizadas de forma hierarquizada, concentrada e financiada, que replicam comportamentos de ódio, de disseminação de mentiras. É isso que nós pretendemos combater.

No caso das cotas para as mulheres, e agora também com as cotas para negros, há o risco de candidaturas laranjas. Como evitar?
De fato, em relação à cota de mulheres, houve casos de candidaturas laranja, mas o TSE foi muito duro nesse tipo de fraude. No principal precedente que há, no Piauí, o TSE derrubou toda chapa pela existência de candidatos laranja, que receberam somas de dinheiro e tiveram zero voto, o que é um sintoma de que o dinheiro não foi empregado na candidatura. Nas candidaturas negras, é possível vislumbrar alguma dificuldade, porque a questão do sexo feminino ou masculino, como regra geral, é objetiva. Na questão racial, há uma autodeclaração. Mas devemos considerar nessa vida que o comportamento pela violação da lei seja exceção, e não a regra.

A abstenção já vinha crescendo e estima-se aumento, pela pandemia. Isso o preocupa?
Existe uma média histórica de abstenção de 20%. Eu tenho a expectativa de que essa abstenção diminua neste ano, por paradoxal que possa parecer, porque as pessoas andam com grande motivação de participar do processo político. Nós fizemos uma campanha para atrair mesários voluntários e tivemos mais de 700 mil inscrições. Acho que isso é um indício de que, apesar da pandemia, as pessoas com ânsia de participar do processo político, porque esse é um momento decisivo para as suas vidas.

Existe preocupação das campanhas serem novo foco de contaminação da Covid-19?
O TSE, logo depois do adiamento das eleições, constituiu uma consultoria sanitária com especialistas. Há um protocolo específico para as campanhas eleitorais, que inclui evitar aglomerações, manter o distanciamento físico de pelo menos um metro, utilizar usar máscaras. No caso da necessidade de se realizar reuniões, que seja em ambiente aberto e a utilização de álcool em gel sempre que houver contato com alguma pessoa ou com algum objeto. Seguindo-se essas recomendações, o risco de contaminação fica minimizado.

Haverá punição para candidato que não respeitar as orientações?
O TSE fez um plano de segurança sanitária. As regras obrigatórias são definidas pelos municípios. Os candidatos deverão observar as regras relativas a circulação e ao eventual distanciamento social estabelecidas em cada município ou no âmbito estadual. O TSE só fez recomendações de natureza sanitária.

O distanciamento pode reduzir a participação nas campanhas, isso pode afetar a representatividade dos eleitos?
Eu acho que não. É claro que, sobretudo na campanha municipal, há uma dimensão de contato físico entre as pessoas que ficará prejudicada por conta pandemia. Mas a verdade é que todas as atividades rotineiras ficaram prejudicadas por conta da pandemia. Mas há alternativas que funcionam bem. Nós temos as redes sociais como um espaço importante, nós temos o horário eleitoral e nós temos a cobertura jornalística. A pandemia e o momento que estamos vivendo reacenderam a importância do papel da imprensa profissional, que é capaz de separar fato de opinião e é capaz de fazer um filtro da grande quantidade de informações muitas vezes equivocadas que circulam nas redes sociais. Portanto essa vai ser uma eleição com ênfase em mídias sociais, em televisão e eventualmente nos debates públicos que vierem a ocorrer. Será uma eleição com menos corpo a corpo.

E quais serão os cuidados com o eleitor para não ter risco de contágio no dia da votação?
Obtivemos do Congresso o adiamento das eleições para que se realizassem em momento em que a curva da doença já tivesse descido de maneira expressiva. Esse adiamento foi fruto de recomendação de uma equipe médica. Foi a primeira medida para proteger a saúde da população. Temos um plano de segurança sanitária com um passo a passo para mesários, candidatos e eleitores para minimizar o risco da doença.

E qual é a recomendação para quem é grupo de risco?
Para as pessoas que são grupo de risco, sobretudo os que têm mais de 60 anos, fizemos duas coisas: aumentamos o horário da eleição em uma hora. Em vez de ser de 08:00h às 17:00h, será de 07:00h às 17:00h; e reservamos as três primeiras horas de votação para os maiores de 60 anos, que é o critério objetivo que temos para identificar grupo de risco. É uma reserva preferencial, mas não será proibido outro eleitor votar. O que pediremos a população é que só compareça nesse primeiro horário quem tem necessidade de acompanhar algum idoso. Vai haver fila específica para os idosos e os não-idosos terão que esperar numa fila paralela. Nós também mudamos o fluxo da eleição. Suprimimos a biometria porque poderia ser uma fonte de contágio e ela aumentava em 70% tempo da votação. O eleitor vai entrar na seção, se dirigir ao mesário, mostrar documento identidade a um metro de distância. Em seguida, o eleitor vai higienizar as mãos com álcool gel e assinar o caderno de votação. Recomendamos que levem a própria caneta. Só vai ter uma passagem pelo mesário. Na saída da seção higieniza as mãos novamente.

A urna eletrônica pode ser foco de contágio?
Não há essa possibilidade, risco zero. O eleitor vai chegar à urna higienizado e depois que usar a urna vai higienizar as mãos de novo. A mão já chega limpa. E a recomendação é, evidentemente, não levar a mão aos olhos ou à boca durante esse processo e tem que estar de máscara.

Por ser natural do Rio de Janeiro, como o senhor avalia a situação política do estado, com o prefeito Crivella inelegível e o governador Witzel afastado e enfrentando processo de impeachment?
Eu sou juiz, portanto não me cabe fazer análises políticas circunstanciais do momento. Evidentemente, como alguém que cresceu e ama o Rio, eu lamento o quadro geral institucional da cidade, que traz muita instabilidade.

Do ponto de vista eleitoral, o Rio tem os dois principais candidatos à prefeitura de alguma maneira pendurados na justiça e uma candidata presa. Isso não é sinal de que alguma coisa está errada?
* Não me cabe comentar o fato político do dia, mas é inegável que há um problema institucional estrutural na política do Rio de Janeiro que tem levado muitos dos seus governantes a responderem a processos criminais e alguns inclusive com condenação. O Brasil viveu infelizmente um processo de naturalização das coisas erradas, um processo acumulativo ao longo de muitos anos. E parece que esse processo se manifestou de forma mais exacerbada no Rio de Janeiro. A minha expectativa, sem fazer juízo sobre os fatos do momento, tenho uma certa sensação de que o Rio, que é um dos estados cuja capital é uma das cidades mais lindas do mundo, pela qual sou apaixonado, está precisando se reinventar. Eu espero que essa reinvenção esteja próxima. 

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