sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Viúva fala sobre 6 meses sem Marielle Franco.

Mônica Benício chamou assassinato de 'Barbárie de 14 de março' e diz que repudia ataque sofrido por Bolsonaro. 'Não tem que acontecer com ele e nem com ninguém, assim como o que aconteceu com Marielle'.


Por Henrique Coelho, G1 Rio

Seis meses após o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o G1 conversou com Mônica Benício, viúva da vereadora. Urbanista e ativista política, ela afirma que seus projetos pessoais foram paralisados com um único objetivo: chamar atenção para que o assassinato não caia no esquecimento. Apesar de afirmar que o delegado responsável pela investigação, Giniton Lages, é “muito sério”, Mônica diz que é angustiante passar seis meses sem respostas sobre o crime. Ela também falou sobre comparações feitas em redes sociais entre o assassinato de Marielle e Anderson e o ataque a faca sofrido por Jair Bolsonaro, candidato do PSL à presidência, no dia 6 de setembro. Para Mônica, ninguém deveria passar pelo que Bolsonaro passou, assim como o que sofreu Marielle. Ela, no entanto, repudia o que chama de discurso de ódio do presidenciável. "É lamentável, mas violência só gera mais violência", afirma ela.

O que significa essa data para você? Qual é o sentimento?
Mônica Benício - Dor. Passaram-se seis meses, a gente não tem nenhuma resposta a respeito das investigações. Ainda que tivesse essa dor, não seria menor. Mas a gente conseguiria ter algum sentimento de justiça para isso, e nem sequer isso temos hoje. É só um sentimento de dor que vai sendo reforçado também por um sentimento de injustiça.

Como isso afetou a sua vida?
Mônica Benício - A minha vida foi completamente modificada. Dos meus projetos pessoais hoje, eu conservo a tentativa de terminar a minha dissertação. No mais, tudo foi abandonado, e está dentro de um constante movimento de luta por justiça pela minha companheira. Toda a minha rotina foi desfeita.

Qual sua avaliação sobre o tempo que as investigações estão levando? Acha que estão no caminho certo?
Mônica Benício - É um cenário bastante preocupante, porque eu já falei em muitos outros depoimentos que o sigilo da investigação é extremamente precioso, entendendo a história que o Brasil tem ao tratar crimes como esse. O crime contra a Marielle foi um crime político, então a gente entende que foi muito sofisticado, e que por ter indícios de que haja participação de agentes do Estado, de figuras políticas e pessoas de alto poder aquisitivo envolvidas nisso, obviamente a gente entende que haja dificuldade para chegar no resultado da investigação. A minha luta, sobretudo, é para que a gente chegue a um resultado de investigação, mas um resultado correto, que não seja dado qualquer resultado para que não nos entregue alguma coisa e dê o caso por encerrado.

Hoje, acompanho o trabalho que a Polícia Civil faz. O delegado Giniton é um delegado muito sério, e entendo que ele tem as dificuldades. Mas para mim, pessoalmente, é muito angustiante a gente chegar a seis meses, entendendo que quanto maior o tempo, menos a chance da gente chegar a um resultado. A gente está há seis meses de um crime bárbaro que foi um atentado à democracia, sem nenhum resultado. Eu hoje faço muitas viagens internacionais e tenho que responder com muita vergonha de que não sei nada a respeito das investigações, e de que não vejo avanços nas investigações. Isso me preocupa bastante.

Mais recentemente, desde sua ida à Divisão de Homicídios, o seu discurso tem sido de que o crime foi político, algo que foi dito até pelo delegado Fábio Cardoso em um evento na Emerj. Quando você diz isso, é como fruto do alcance desse crime, no sistema político, nas esferas municipal, estadual, federal e até internacional, ou pela motivação do crime, ou as duas coisas?
Mônica Benício - Eu acho que é uma soma de tudo. Eu não sou detetive, mas não acho que precise ser para afirmar que o crime da Marielle foi um crime político. A minha maior questão era: a quem interessava a morte da Marielle? Mais grave do que quem puxou o gatilho foi quem arquitetou tudo isso, quem articulou isso. A gente quer saber quem foi que articulou, quem mandou fazer. Enquanto essa pessoa não for responsabilizada pelo que fez, a gente continua com essa pessoa livre podendo cometer o mesmo crime, podendo cometer o crime com outras pessoas. A luta não é mais por justiça para Marielle, mas para garantir que não haja mais crime semelhante ao dela na cidade do Rio de Janeiro, ou no Brasil como um todo. Eu acho que é um somatório de tudo, de olhar para o processo da investigação, ver como ele foi construído, ver em que ponto estamos hoje, a não resposta da justiça até hoje. O Estado brasileiro ainda tem sangue nas mãos enquanto o caso da Marielle e do Anderson não for solucionado.

Muitas pessoas, sobretudo em redes sociais, compararam o ataque contra Jair Bolsonaro em Juiz de Fora ao homicídio de Marielle em março deste ano. Como você vê essa comparação?
Mônica Benício - Eu vi, na verdade, uma coisa ou outra. Sinceramente eu não procurei saber, e nem quis ficar me inteirando a respeito disso. Eu abomino todo e qualquer tipo de violência, então, o que aconteceu foi grave, foi muito sério, não deveria ter acontecido. Mas o candidato à presidência faz uma reprodução de discurso de ódio da qual eu não compartilho nenhuma pauta, nenhuma ideia. Mas repudio veementemente o que aconteceu com ele, porque não tem que acontecer com ele e nem com ninguém, assim como o que aconteceu com a Marielle.

Agora, violência só gera mais violência. O deputado tem um discurso de ódio muito forte, e que incita a violência em vários discursos. É lamentável, mas violência só gera mais violência.

Nesses seis meses, qual foi o momento de maior saudade dela?
Mônica Benício - Todos os dias. De manhã e à noite.

Como é para você pensar que a visibilidade do relacionamento de vocês tenha sido escancarada de forma tão dolorida? Acha que é um tema que ganha força, mesmo diante de um fato tão trágico?
Mônica Benício - O nosso relacionamento sempre foi público. Então, obviamente isso ganha muito mais força, a partir do momento em que a trajetória de vida dela é projetada, a história de vida dela é projetada, a nossa história é projetada junto. As lésbicas são muito invisibilizadas na sociedade, a população LGBT como um todo sofre muito neste país, que é o país que mais mata a sua população LGBT. E também mostra a outras mulheres que não se sentem acolhidas nessa sociedade de que essa forma de amor é legítima, e que não tem modelo social que possa impedir a gente de amar quem a gente quiser.

Em julho, você fez essa tatuagem. Como foi esse processo de tatuar na pele a sua companheira durante 14 anos?
Mônica Benício - Eu fiz no dia do aniversário dela como uma homenagem. Marielle levava aniversário muito a sério. Então foi uma forma de homenagear e também de, às vezes, me sentir num processo meio solitário, me lembrar que eu não estou sozinha.

Quando você olha, o que que você sente?
Mônica Benício - Saudade.

A vitória de Marielle em 2016 como quinta vereadora mais votada foi um sopro de esperança na representatividade feminina e negra na política. Como manter isso mesmo após sua morte?
Mônica Benício - Se o assassinato da Marielle era uma tentativa de silenciar o que ela representava, que é as pautas de todas as minorias políticas: mulher, negra, favelada, lésbica. Marielle carregava no próprio corpo todas as pautas que defendia. A gente tem hoje um movimento que ganhou amplitude no Brasil, mas sobretudo no Rio de Janeiro, que a gente podia ter um momento de medo, onde as mulheres negras, principalmente, tivessem se retirando dessa luta por ocupação dos espaços da política, dos espaços do poder. E não foi o que aconteceu. Muito pelo contrário, aconteceu o revés. A gente tem hoje uma série de mulheres incríveis se colocando, colocando seu corpo na disputa política para construir uma outra cidade, então essa representatividade eu acho muito importante.

Para mim, esse é o legado de Marielle, ele é construído por todas as mulheres que se levantam de manhã e lutam contra o machismo, lutam contra a sociedade patriarcal, contra a LGBTfobia, contra o racismo. Esse é o legado de Marielle, essa força que ela continuou deixando e que mesmo a barbárie do 14 de março, continua nos movendo para continuar levando essa luta.

Você sentia que Marielle estava feliz com os novos caminhos a trilhar na política? [Ela seria candidata a vice na chapa de Tarcísio Motta]
Mônica Benício - Mais do que a candidatura em si, o mais importante sempre é levar a pauta. Abrir para discussão, mostrar que a gente consegue fazer uma política diferente, fazer uma política com afeto, ampliar as pautas da discussão, levando isso ao maior número de pessoas possível, porque o Brasil hoje é um país muito descrente de que uma outra política, diferente dessa suja que a gente conhece e está habituado, é possível. Isso era uma das coisas que motivava muito a Marielle a continuar o trabalho dela. Foram um ano e três meses de mandato que deveriam ter durado quatro. Uma das grandes vontades dela, sobretudo, era terminar o mandato de vereadora. Ela tinha muita alegria em fazer o trabalho dela, fazia o trabalho dela com muito amor, para além da competência técnica. Tudo era construído com muito afeto porque ela gostava do que fazia.

Você vislumbra esse caminho da política pra si mesma, Mônica?
Mônica Benício - Esse nunca foi o meu lugar de fala. Eu sempre acompanhei a Marielle através dos bastidores, e nunca cogitei estar ocupando algum tipo de espaço na política. Não dessa forma. A minha forma de fazer política sempre foi com a minha militância. Dentro destes seis meses, eu estou bastante empenhada num caso de resolução e de dar visibilidade mundial ao caso da Marielle até que a gente tenha uma resposta. Essa é a minha prioridade nesse momento. É com isso que estou preocupada neste momento. Não cheguei a cogitar um outro lugar.

Após esses seis meses, que mensagem você deixa para aqueles que gostavam do trabalho dela e que ficaram politicamente órfãos de Marielle?
Mônica Benício - Primeiro eu gostaria muito de agradecer o carinho que eu venho recebendo, mundial, inclusive. Não só a barbárie do 14 de março e a execução da Marielle ultrapassaram as fronteiras do Brasil, mas também um espírito de solidariedade muito grande. Eu venho recebendo uma rede de afeto que é linda, e que é o que dá força para continuar seguindo.

A minha mensagem, assim como ela disse no dia oito de março, que não será silenciada, é um pedido para que não permitam que a Marielle seja silenciada. A gente precisa continuar na busca por justiça, e também para que não haja mais barbáries como aconteceu à Marielle. E é muito importante que a gente consiga ficar trazendo esse assunto à pauta até que consiga resolver. Então, é importante que a gente continue dando visibilidade e não pare de lutar. Porque num país como o Brasil, se o caso da Marielle cair no esquecimento, é provável que a gente não chegue na solução disso.​

g1.globo.com

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