A volta do destemperado

Como há 25 anos, Fernando Collor adota o papel do político desequilibrado para tentar salvar a própria pele. Tudo indica que a estratégia não vai dar certo outra vez.


Fábio Brandt

Na quarta-feira 26, o Senado Federal viu ressurgir um personagem que parecia estar enterrado da vida política brasileira há muitos anos, apesar de alguns espasmos corriqueiros. Vestindo um terno bem cortado, os cabelos grisalhos penteados com a ajuda de um potente laquê e uma pilha de papéis sob os braços, o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) chegou à sala da Comissão de Constituição e Justiça disposto a encarnar o papel do político destemperado, do homem público que, ao ter sua honra atacada, é tomado por uma emoção que não consegue controlar. Enfim, daquele sujeito que diante do que considera injustiças inaceitáveis atira-se em fúria contra si e a todos ao seu redor. Fora exatamente Collor, 25 anos atrás, quem encarnara pela última vez tal perfil pernóstico, quase infantil, ao se debater em frente às câmeras de televisão durante o processo que lhe transformou no único presidente da história brasileira a ser apeado do cargo por um impeachment.

Agora, como há duas décadas e meia, Collor optou pelo espetáculo do absurdo para tentar salvar a própria pele. Acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter recebido R$ 26.000.000,00 de recursos desviados do esquema de corrupção da Petrobras, o senador alagoano resolveu partir para o ataque contra seu algoz. Após semanas de ameaças veladas, quando chegou ao ponto de chamar Janot de “filho da p...” em plena tribuna do Senado, Collor foi o primeiro a chegar para a sabatina do PGR . Escolheu uma cadeira na primeira fila da sala, na qual ficaria frente a frente ao seu novo inimigo. Comportou-se até com alguma distinção nos primeiros momentos daquela sessão que se estenderia por mais de 10 horas.

Quando chegou sua vez de inquirir o procurador-geral, Collor assumiu o papel que parecia ensaiar há dias. Sua face transformou-se. Olhos vidrados, passou a acusar Rodrigo Janot de advogar para empresas privadas, insinuar contratações suspeitas e, até, de o procurador-Geral ter escondido seu irmão, já morto, em uma casa em Angra dos Reis quando este era procurado pela Interpol. Quando o procurador foi responder às acusações, Collor tentou interrompê-lo. “Vossa excelência não me interrompa”, disse Janot, firme. O senador aquiesceu, mas fora dos microfones que captavam as falas no interior da sala, no entanto, ele disparou palavrões e ofensas contra o procurador.


A atuação de Fernando Collor nesta semana remete ao velho e conhecido destempero do político que conseguiu ser o primeiro presidente eleito pelo povo após a ditadura militar, em 1989, mas sequer chegou ao fim do mandato em meio a um escândalo de corrupção que levou à abertura de um processo de impeachment no Congresso e a um intenso movimento popular que foi às ruas pedir sua saída do Palácio do Planalto. Remetem àquele período testemunhos de que o então presidente dava cotoveladas nos próprios seguranças quando queria romper o cordão de isolamento entre ele e a população. Ou então respondia com gestos obscenos às manifestações contra sua administração.

O temperamento caricato e a biografia do ex-presidente foram, inclusive, tema do humor negro que circulou nas redes sociais nos dias que precederam seu encontro com Janot no Senado. As mensagens aludiram ao episódio em que seu pai, o empresário Arnon de Mello – que também foi senador por Alagoas – matou com um tiro um colega dentro do Senado. Ele mirou no adversário, também alagoano, Silvestre Péricles., mas acertou no acriano José Kairala. Os internautas, irônicos, cobraram a instalação de detectores de metais para proteger o procurador-geral da República.

Como em 1992, tudo indica que o comportamento histriônico de Collor não será capaz de salvá-lo. As acusações que pesam sobre ele são graves e o Supremo Tribunal Federal vai julgá-lo. A primeira batalha, o senador já perdeu. Rodrigo Janot foi reconduzido à Procuradoria-Geral da República por ampla maioria tanto na CCJ quanto no plenário do Senado.


Fotos: ANDRE COELHO/Ag. O Globo; Pedro França, Geraldo Magela - Ag. Senado
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