REFORMA DA CÂMARA CONSERVA O PIOR DO SISTEMA


Por Tereza Cruvinel

O mais grave defeito do sistema político-eleitoral brasileiro é o excessivo número de partidos. Ninguém discorda disso. Ele produz tamanha dispersão dos votos na eleição de deputados que impede a formação de uma maioria ou de uma base parlamentar consistente para garantir a governabilidade. O resultado é o presidencialismo de coalizão, movido a concessões, nomeações e negociações permanentes para garantir os votos de que todo governo precisa para implementar suas políticas. Entretanto, a reforma política que a Câmara está votando não moveu uma vírgula para mudar esta realidade. Nesta quinta-feira foram mantidas as coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores) e aprovado um arremedo de cláusula de barreira, pelo qual terão direito ao fundo partidário e ao tempo de televisão os partidos que elegerem pelo menos um deputado ou senador. Aproveitando um impasse em torno da votação da duração dos mandatos com o fim da reeleição, Eduardo Cunha negociou com os líderes a votação imediata das duas medidas. "Foi um ardil, pois estávamos preparados para votar estas matérias só na terça-feira. Teríamos tido tempo para articular alternativas", reclamou o deputado tucano Marcus Pestana. Pela ordem de votação combinada, o próximo ponto a entrar em pauta era a cota de cadeiras para mulheres. Cunha rebate, dizendo que todos os líderes participaram do acordo, inclusive o do PSDB. Com a votação, ele honrou um acordo com os pequenos partidos, inclusive o PC do B, que apoiaram o distritão em troca de apoio para que fosse mantida as coligações proporcionais.

Estas coligações criam uma das maiores distorções de nosso sistema. Na eleição para deputados (federal e estadual) um partido grande se coliga com um pequeno, oferecendo a este vantagens financeiras e outros recursos de campanha. Os votos obtidos pelos candidatos do pequeno partido ajudam a engordar o somatório da coligação, aumentando o número de cadeiras conquistadas pelo partido maior. Às vezes, sobra para um ou dois do partido menor. "O plenário optou por manter a indústria da criação de partidos", protestou Silvio Costa (PSC-PE). Ele explica o jogo: quem cria um partido vende dois produtos no mercado eleitoral. Tempo de TV para os candidatos a prefeito, governador e presidente e coligação proporcional nas eleições para deputados e vereador. E ainda recebe o jabá do fundo partidário.

Dos recursos do fundo, que este ano terá de mais de R$ 800 milhões, 5% são divididos igualmente entre todos os 32 partidos. O restante é dividido segundo o número de votos obtidos por cada um na última eleição para a Câmara. Assim, mesmo não tendo elegido nenhum deputado, um partido que, pela soma da votação de seus candidatos em todo o pais tiver obtido 500 mil votos receberá anualmente cinco milhões de reais. É de pouco mais de R$ 10,00 o valor da cota do fundo por cada voto válido no pleito anterior. Que negócio pode ser melhor que este? É por isso, caro leitor, que existem tantas siglas e volta e meia elas te incomodam com seus programas na televisão. A cláusula aprovada é quase nada. Basta a eleição de um deputado ou senador para o pequeno partido continuar vendendo produtos e recebendo do Fundo Partidário, afora o tempo de televisão.

Por ora, a ousadia da reforma de Cunha foi acabar com a reeleição, que garantiu aos governos de oito anos de FHC e de Lula a implantação de políticas que exigiam mais tempo de maturação, nas áreas econômicas e social, respectivamente. Mas ainda que não se reconheça benefício algum na reeleição, nunca esteve nela a origem dos males mais graves do sistema.

Até agora, aplica-se à reforma em curso o famoso dito do príncipe Falconeri, em Il Gatopartido, de Tomasi de Lampeduza: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude."

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