domingo, 19 de outubro de 2014

Incenso vendido livremente é feito com 'maconha sintética'

Produto que contém substância psicoativa chama atenção em loja na Zona Sul e atrai jovens.


MARCIO ALLEMAND

Rio - Quem poderia imaginar que um simples incenso, vendido livremente em uma loja no fundo de uma galeria em Ipanema, fosse se tornar a nova onda entre os adolescentes da Zona Sul carioca? Não, estes jovens não estão à procura de elevação espiritual ou de uma iluminação transcendental. O que eles querem é curtir o efeito do tal incenso, que contém substâncias psicoativas e dois canabinóides (JWH-122 e JHW-210) que produzem efeitos similares ao de um cigarro de maconha, só que potencializado. Os incensos são importados da Itália e trazidos para o Brasil por Stefano Viola, um italiano, casado com uma modelo brasileira. Até então, a Polícia Federal não via nenhuma ilegalidade na venda do produto, já que o JWH-122 e o JHW-210 não constavam na lista de substâncias sujeitas ao controle especial descritos na Portaria 344/98 da Anvisa.

Tecnicamente, os produtos estavam sendo fabricados dentro da lei. Porém, a Diretoria Colegiada do órgão aprovou, no último dia 14, terça-feira passada, a atualização da lista de substâncias sujeitas a controle, que deverá ser publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias. A nova lista conta com 14 novas substâncias que passam a ter o seu uso e comercialização vedados no Brasil, entre elas, o JWH-122 e o JHW-210. A Anvisa informa, ainda, que essas são substâncias produzidas sinteticamente e sem qualquer utilidade terapêutica. No laudo pericial enviado pela Polícia Federal, consta que o JWH-122 e o JWH-210 são compostos quimicamente relacionados e similares ao tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo da maconha. De acordo com o laudo, tais compostos, assim como o THC, se ligam aos mesmos receptores canabinóides no cérebro e a outros órgãos, já que, inicialmente foram desenvolvidos como agentes farmacêuticos destinados ao controle da dor, mas têm efeitos psicoativos.

A publicitária Laura, de 45 anos, moradora do Arpoador, é mãe de dois adolescentes, e levou um susto quando, ao chegar em casa há pouco mais de um mês, encontrou o mais novo, de 15 anos, completamente alterado. “Ele estava mais agitado que o habitual, falava coisas desconexas, tinha os olhos muito vermelhos”. Laura diz que naquela noite ele revelou ter misturado um incenso com tabaco e fumado. Preocupada, resolveu experimentar a tal mistura, para saber o que o filho havia usado, já que ele apresentava comportamento diferente: “O efeito veio rápido. Era como se eu tivesse fumado algo muito forte, os olhos ficaram vermelhos e em poucos minutos começou uma dor de cabeça alucinante. Apaguei e quando acordei, no dia seguinte, continuava com dor de cabeça. Ele também”, comentou.


Dono de loja diz que vai interromper venda
Procurado pela reportagem, o italiano disse que vai interromper as vendas dos incensos até que tudo seja esclarecido. “Se as pessoas fumam, comem ou fazem qualquer outro uso inapropriado do incenso, eu não posso fazer nada. Fizemos uma pesquisa muito apurada antes de começar o negócio. Mas se a Anvisa vai inserir na lista de produtos proibidos, vou parar de comercializar na hora”, afirmou o empresário. Stefano Viola trabalha com esse tipo de produto desde 2003. Esclarece que já teve loja em Amsterdam, Barcelona, Sicília e na Grécia. Está no Brasil há três anos. Conheceu a mulher, a modelo brasileira Diana Moraes Sofia, no exterior, no mundo da moda. A loja, que funciona nos fundos de uma galeria numa das ruas mais movimentadas de Ipanema, foi inaugurada há cerca de um ano e meio e está no nome da modelo e de um outro sócio, Antônio Frederico Guimarães Mendes. O curioso é que no contrato social da empresa, registrado na Junta Comercial do Rio de Janeiro, o negócio consta como sendo uma loja de cosméticos, mas na página inicial do site e no interior da loja, os produtos que têm destaque são os tais incensos. Nas redes sociais, a loja é apresentada como uma empresa que vende produtos europeus inovadores no mercado brasileiro e afirmam que o principal produto é uma espécie de incenso relaxante e modelável. “Modele, acenda, relaxe! Muito mais surpreendente do que você possa imaginar”.

Efeito rápido e que mete muito medo
De acordo com um adolescente, ele já havia inalado a fumaça do incenso, mas naquela noite resolveu fumar. “Na loja, ensinam que a gente pode usar o incenso de várias maneiras e que serve para relaxar, mas eu não relaxei. Tive dor de cabeça, taquicardia, tremedeira. Fiquei com medo”, conta o jovem. Ele diz que comprou o incenso em duas ocasiões: na loja, em Ipanema, e via internet. O menor contou, também, que vários amigos seus já usaram e que alguns passaram muito mal. “Isso dá uma onda diferente, faz mal”, resume. Para o advogado Emílio Figueiredo, a venda desse tipo de produto nada mais é do que um efeito colateral da proibição das drogas. “A maconha é uma erva natural, cultivada pelo homem há séculos. Foi proibida e aí começaram a surgir várias outras drogas para driblar essa proibição”.

Produto causa dependência
A reportagem do DIA comprou o produto, entrou em contato com a Polícia Federal e no dia 28 de agosto solicitou um exame de perícia. O laudo oficial só foi liberado no dia 10 de outubro e apontou a presença de dois canabinóides (JWH-122 e JWH-210). Porém, tais substâncias não eram classificadas como entorpecentes ou psicotrópicos, uma vez que não estavam citadas nas listas da Anvisa que relacionam as substâncias que causam dependência. A Polícia Federal, porém, já enviou o laudo à Anvisa. Desta forma, a atualização da lista de substâncias sujeitas a controle deve ocorrer nos próximos dias. Este ano a Anvisa já atualizou a lista quatro vezes, incluindo 36 produtos. A medida permite que os órgãos policiais e judiciais possam agir mais rapidamente.

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