Paulo Malhães foi rendido com suas armas.

Em entrevista exclusiva, a viúva Cristina Malhães revelou que também foi ameaçada de morte.


JULIANA DAL PIVA

Rio - Os criminosos que invadiram o sítio do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, 77 anos, em Nova Iguaçu, na quinta-feira passada, renderam o militar e a esposa com as próprias armas dele. Foi o que revelou com exclusividade ao DIA Cristina Malhães,40 anos, a viúva do coronel. Em março, ele admitiu ao DIA que participou de torturas e mortes durante a ditadura e que ocultou o corpo do ex-deputado federal Rubens Paiva.

Escondida na casa de amigos, a viúva contou que não pretende mais morar no sítio onde passou metade de sua vida e onde morreu o marido na semana passada. A lembrança das quase 10 horas em que ficou sob a ameaça de três criminosos ainda impede que ela conte todos os detalhes do que aconteceu. Com os olhos marejados, ela abraça as pernas e diz que tem medo. “Eles disseram que podiam matar a mim e a minha família também”, desabafou Cristina. 

Ela diz que o casal tinha saído de casa na quinta-feira de manhã para levar um dos cachorros no veterinário em Cabuçu, bairro de Nova Iguaçu. Paulo Malhães dirigia o carro do casal. O coronel e Cristina seguiram depois para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), próxima do sítio. Ela explicou — mostrando marcas dos ferimentos nas mãos— que os dois tinham sido mordidos pelo cão fila dias antes e foram ao local tomar vacinas (antitetânica e antirrábica). Ao chegar em casa, na volta, os cães latiram, mas eles não repararam em nada de anormal. 

Quando abriu a porta, Cristina percebeu que um dos cachorros correu direto para o corredor que dava no quarto do casal. “Foi então que eu disse ao Paulo, ‘parece que tem alguém aqui’. Aí eles apareceram e renderam a gente com as próprias armas do Paulo. Eu reconheci”, contou ela. 

De acordo com ela, o coronel não havia perdido o jeito de agente secreto: dormia todas as noites com um revólver 38 na cabeceira da cama. Cristina também revelou que dos três criminosos, apenas um usava capuz e luvas. A viúva diz que ainda tem medo de revelar os outros detalhes do crime e que vai aguardar as investigações. Presente à perícia complementar realizada no sábado, Cristina diz que apenas na segunda visita os policiais levaram para análise o travesseiro com que Paulo Malhães foi encontrado e que continha sangue do militar. Ela também contou que o atestado de óbito do militar aponta que a causa da morte foi “edema pulmonar, isquemia de miocárdio e miocardiopatia hipertrófica”, esta última é uma doença pré-existente. 

Um especialista que preferiu não se identificar explicou que os dados apontam para uma morte provocada por um infarto em decorrência de um estresse muito forte, com aceleração aguda do coração. Ele disse, porém, que as circunstâncias da morte só serão explicadas no laudo cadavérico. “Tem que ler o laudo todo. Às vezes na guia policial não vem a história toda para o médico e analisando o cadáver a gente encontra outra lesão já existente. Só o laudo do local e o cadavérico juntos é que vão dar a conclusão do caso”, explicou. 

Coronel fez fogueira com documentos da ditadura
De seus 40 anos de idade, Cristina Malhães passou 25 ao lado do coronel. Os dois começaram a viver juntos quando ela tinha apenas 15 anos. “Eu perdi a minha coluna. A verdade é que eu vivia um pouco a vida dele, e não a minha”, contou, a voz trêmula. Magra, baixa e frágil, Cristina é um mulher simples. Ela resumiu sua vida ao sítio em Marapicu. Cuidava da casa, dos cachorros e, especialmente, do marido. Concluiu o Ensino Médio e fez um curso técnico de Informática, mas nunca trabalhou fora de casa. “Vivíamos da pensão do Paulo”, disse.

Os dois raramente deixavam o local .“Eu queria sair, mas como ele não gostava, eu não criava problema”, disse. Ela lembra que em um dos poucos momentos de lazer, há muitos anos, o casal fez um passeio na Praia de Itacuruçá. Os dois não tiveram filhos. Primeiro, Cristina diz que foi ele quem não quis, pois já tinha cinco de outras cinco uniões. Depois, foi ela quem desistiu. Ao consultar um pai de santo que jogava búzios, descobriu que seu primeiro filho seria um homem. Como queria uma menina, decidiu não engravidar. Sobre o papel que o marido desempenhou no Exército, ela diz que já sabia de alguns detalhes antes das primeiras entrevistas dadas em 2012. “Toda vez que ele contava, acho que ele se aliviava um pouco. Ele gostava de falar e de dar entrevistas. Acho que ele gostava de falar do assunto. Ele amava o Exército”, contou ela. Cristina disse que pouco antes de começarem a morar juntos, Paulo Malhães fez uma grande fogueira com todos os documentos que tinha da época da ditadura.

Laudo deve sair hoje
A Divisão de Homícidios da Baixada Fluminense investiga a morte do coronel. A expectativa é de que o laudo cadavérico chegue hoje à delegacia. Os filhos do militar também são aguardados para depoimento. Há pouco mais de um mês, o coronel Paulo Malhães recebeu a reportagem do DIA na mesma casa onde foi assassinado. Na ocasião, ele revelou que, em 1973, foi designado para uma missão do gabinete do ministro do Exército a fim de desenterrar o corpo do ex-deputado federal Rubens Paiva em uma praia, no Recreio dos Bandeirantes. Paulo Malhães serviu no gabinete no ministro do Exército e era agente do Centro de Informações do Exército.

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