Moda de turbantes ganha fãs e oficinas que resgatam identidade africana

Enquanto imprime charme às produções, é item obrigatório quando o assunto tradição negra, sobretudo das mulheres.


O DIA

Rio - Eles têm feito — literalmente — a cabeça das cariocas. Trançados ou enrolados, os turbantes dominam a cena. Mas o acessório que virou febre pelas ruas carrega muito mais do que estilo: por trás dos panos, revelam-se histórias. De tradição africana, o adorno simboliza hierarquia social e espiritual e também diferencia diversas etnias do continente. E enquanto imprime charme às produções, é item obrigatório quando o assunto é resgate da identidade negra, sobretudo das mulheres. É o que ensinam turbanteiras: com um tecido na mão, elas invadem escolas, museus e desfiles de moda apresentando seus diversos truques, e, claro, reafirmando a estética e influências afro-brasileiras. Aliás, elas alertam: amarrar é verbo quase que proibido — e que elas perdoem a nossa licença.

“Na nossa cultura, a cabeça é sagrada, e não amarramos nada nela. Encaixamos o turbante”, explica a historiadora e turbanteira Ana Rabello, de 48 anos, que há dois anos promove oficinas no projeto Candaces, e aprofundou a pesquisa na pós-graduação em História da África e do Negro no Brasil, usando como fontes imagens dos pintores Carlos Julião e Joaquim Guillobel, que retratavam as crioulas — negras nascidas no Brasil — do século 18. No ensaio técnico do Salgueiro, ela chegou a fazer 105 cabeças na Ala das Baianas.


As adeptas também garantem: o acessório dá poder. “Me sinto mais forte e poderosa. É como se incorporasse uma personagem”, disse a estudante de Turismo Daiane Regina, 27. Já a socióloga Caroline Couto, 30, revela por que sentiu-se atraída pelo turbante: “Não sou negra, mas são as nossas referências também. E quis entender mais sobre nossa miscigenação. A estética veio no conjunto”.

E, no caso do turbante, tamanho também é documento: quanto maior é o adorno, em homens ou mulheres, maior é a hierarquia — política, social e econômica — do indivíduo. “Uso pela estética também, mas sempre lembrando nossas referências”, conta a turbanteira Fabíola Oliveira, 30, que há três anos divulga o tema com aulas e a grife Colares D’Odarah : “O turbante está presente em cada sociedade africana e sempre é elemento forte de referência à mulher. Por isso, quem resgata seu uso aqui, se sente mais forte”, avalia ela, que completou: “Quando elas são crianças ainda, não podem usar muito grande, de modo que aumente a estatura, pois não têm relevância ainda, não geram vida. As solteiras usam modelos mais simples, e as casadas têm um adorno maior”.

Adepta há 20 anos, a turbanteira Deni Moura,36, produz os membros do bloco afro Filhos de Gandhi, no Rio, e ensina: “Você vai enrolando, experimentando e criando técnicas. Gosto muito de usar chita. E para o bloco, uso tecidos mais grossos, como gorgurão, para fazer volume”. Ana dá preferência às capulanas — tecido africano — mas garante que qualquer um pode ser usado, e destaca as liganetes.

Chamadas de 'lavadeiras'
Apesar da grande procura pelo acessório, turbanteiras contam que, muitas vezes, foram chamadas de “corajosas”. “Me perguntam se sou brasileira mesmo. O lenço e o turbante ficaram ligados à imagem da ‘Maria’, da doméstica. E tem coisa mais digna que incorporar essa mulher honesta, que trabalha e leva sustento para casa? Viva a Maria”, defende Ana.

“Quando cheguei ao Rio, já usava meus lenços e ouvia que parecia lavadeira. O preconceito não me impediu de usá-lo”, disse Sônia Pinto, 64, a Baiana do Acarajé. Já a produtora Taís do Espírito Santo, 26, conta que seu objetivo é preservar a cultura: “Foi um reencontro com minha identidade. Temos que continuar com isso, senão morre”.

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