Estudante da Maré retoma rotina de guerrilha urbana

Alunos de ONG se deitam no chão da sala de aula para escapar de tiros. Na terça-feira, escolas e creche não reabriram no complexo.


FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - A guerra do tráfico impediu na terça-feira que três mil estudantes voltassem às aulas no Complexo da Maré, apesar do fim da greve dos professores. Muitos pais levaram os filhos, mas encontraram duas escolas e uma creche fechadas. Questionada pela ONG Redes da Maré, a Secretaria Municipal de Educação respondeu, em nota, que optou pelo fechamento “por causa de violência no entorno” das unidades. Fotografias e relatos de profissionais de ONGs que atuam na comunidade dão a dimensão do terror na região, que afeta as aulas. Uma foto postada pela ONG Uerê Maré, por exemplo, mostra alunos deitados no chão da sala de aula no dia 17, para se protegerem dos tiros. Granadas chegaram a atingir paredes da escola, que atende a 400 crianças com dificuldades devido a traumas causados pela violência no lugar. 

“A atitude da turma na hora do tiroteio, que durou uma hora, é resultado de um treinamento oferecido por pessoas que participaram de treinos de guerrilha urbana. Trabalhei em países africanos em guerra. Tive que aprender e repasso”, diz Yvonne Bezerra de Mello, coordenadora da ONG. Naquele dia, outras 215 estudantes de dez turmas passaram pelo mesmo desespero na hora de estudar, devido aos tiroteios que estão mais frequentes e intensos no complexo. Inconformados, pais criticaram a situação nas redes sociais. “Depois da greve,as crianças dos Cieps Samora Machel e Ellis Regina ainda estão sem aula por tempo indeterminado. Alegam que devido aos tiroteios os professores não se sentem seguros para lecionar. Vergonha!”, postou a mãe de um aluno no Facebook. 


Em nota, a Polícia Militar informou que não fez nenhuma operação no Complexo da Maré ontem e que, em relação à segurança de professores e alunos, as ações são planejadas sempre com base em informações do Serviço de Inteligência. “A PM procura realizar ações em horários estratégicos, que não coincidam com o horário escolar”, diz em nota. Há três décadas, as favelas da região sofrem com conflitos entre facções rivais e com confrontos entre PMs e bandidos, principalmente na área da Nova Holanda, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau. A pacificação do complexo só deve ocorrer no primeiro trimestre de 2014.

Alunos da rede municipal têm medo de não passar de ano
Alunos da rede municipal voltaram preocupados na terceira retomada das aulas do ano — por causa da greve dos professores. Os principais problemas relatados são com a probabilidade do declínio das notas e as aulas de reposição aos sábados. Fora ter que estudar em pleno verão de fevereiro. A aluna do 8º ano da Escola Municipal Gonçalves Dias Valesca Borges, 16, disse que o tempo sem aulas foi desperdício. “Fiquei muito tempo em casa. Não fazia nada, só descansava. Até estudava um pouco. Acho errado os professores entrarem em greve porque não é a gente que faz o salário deles, mas acabamos prejudicados com isso”


Já Roberta de Oliveira, do 6º ano, disse que tem medo que a greve prejudique seu desempenho escolar. “Os professores só pensaram na parte deles, não na nossa. Corremos o risco de repetir de ano por causa disso”, disse. O frentista Mauro Pedro da Silva, pai das gêmeas Julia e Juliana, 10, que estudam na Escola Professor Augusto Paulino Filho, no Méier, deixava as filhas na casa da avó e da irmã para trabalhar. Ele já pensa na dor de cabeça das aulas nos fins de semana: “Trabalho de manhã nestes dias, e não sei o que fazer.”

Copa antecipa as férias de julho nas escolas particulares 
A alteração no calendário escolar não é exclusividade do ensino público. Muitas escolas particulares, por sugestão da Lei Geral da Copa, optaram pela transferência das férias de julho de 2014 para a segunda semana de junho, data de início dos jogos. Porém, em muitos colégios privados, ainda há dúvidas quanto à data oficial do recesso no ano que vem. De acordo com Amábile Passos, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, “cada instituição tem autonomia para decidir seu funcionamento durante esse período, contanto que cumpra os 200 dias letivos previstos por lei”. Mas, segundo ela, mesmo que as aulas se mantenham, os colégios não devem funcionar nos dias de jogos, “para ajudar na mobilidade urbana e na própria segurança das crianças”, diz. 

Mãe de dois filhos matriculados em escola particular, a coordenadora de comércio exterior Márcia Resende, de 43 anos, comemorou a notícia. “Vou até antecipar minhas férias”. “É uma oportunidade única de assistir à Copa junto com meus filhos Guilherme e Henrique”, empolga-se. Já a comissária de bordo Maria Lucia Tondo, 54, reclamou da falta de posicionamento da escola de seu filho Gianluca, de 15 anos. “Acho válido transferir as férias, mas é preciso avisar com antecedência para as famílias se prepararem”, comenta.

Reposições ainda incertas
Segundo a Secretaria Municipal de Educação, caberá à direção de cada escola elaborar o plano de reposição. Porém, orienta que haja aulas aos sábados, na semana de recesso de dezembro, e também em janeiro e horários extras. A Secretaria Estadual orienta que professores reponham conteúdos dos 200 dias letivos em turnos extras e sábados. E também em janeiro, se for necessário. As escolas tem até o fim de semana para decidir. Mas o sindicato defende que nem janeiro nem feriados sejam usados: o início do recesso seria em 20 de dezembro, com retorno em fevereiro, para encerrar o Ano Letivo de 2013. As aulas de 2014 começariam na segunda semana de março.

Agências de viagem vão refazer agenda de 2014 
A antecipação das férias de julho não pegou de surpresa apenas os pais e professores. As empresas de turismo também tiveram que refazer agendas, já que em julho muitas famílias aproveitam para viajar. Para a Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav), a expectativa é que alteração aumente a procura por passagens domésticas, principalmente para cidades que sediarão jogos da Copa. Para suprir a demanda, o órgão conta com um crescimento da oferta hoteleira nesses locais até 2014, uma vez que a Copa no Brasil já atinge a marca de 8 milhões de ingressos solicitados.

De acordo com a Mundi, empresa que compara preços de passagens aéreas, os destinos mais procurados em junho do ano que vem são Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro. Acostumado a viajar com a família duas vezes por ano, o administrador Marcos Mota, 48 anos, foi obrigado a suspender os planos para julho do ano que vem. “Sempre compro passagens com oito meses de antecedência, mas, por causa da indecisão do colégio dos meus filhos, preferimos marcar a viagem para as férias de janeiro”, conta. “O jeito vai ser aproveitar por aqui”, conforma-se.

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