Máfia nos cemitérios frauda custo de enterros

Funcionários da Santa Casa cobram preços altos de famílias dos mortos na hora do sepultamento, e repassam valores até dez vezes menores para a instituição.


JOÃO ANTONIO BARROS E RODRIGO CABRAL

Rio - A fragilidade das famílias na hora de enterrar os parentes surge como oportunidade única: mais sensíveis e pouco atentas às formalidades fiscais, elas ficam expostas à máfia que atua nos cemitérios do Rio de Janeiro. Sorrateiramente e valendo-se da falta de transparência com a tabela de preços, alguns funcionários da Santa Casa de Misericórdia negociam valores até dez vezes maiores pelas sepulturas do que os contabilizados nas notas fiscais da instituição. Quanto mais nobre o endereço do morto, maior o superfaturamento nos preços na hora dos enterros. Um autêntico caixa 2 (dinheiro sem prestação de contas) da morte, onde só Deus sabe o destino final dos valores pagos a mais pelas famílias. Normalmente, o negócio é fechado com os responsáveis pelos cemitérios administrados pela Santa Casa de Misericórdia. Mas a verba não chega aos cofres da instituição.

O esquema funciona há anos, e com mais intensidade em dois dos principais cemitérios do Rio: o São João Batista e o Caju. As provas da atuação da máfia estão em documentos empoeirados enterrados junto com a CPI instaurada na Câmara Municipal para apurar irregularidades na Santa Casa. No emaranhado de papéis, constam o recibo de pagamento feito, por exemplo, para Alma Rubens Gomes de Oliveira. Uma senhora de 88 anos, que às vésperas do Natal de 2004 viveu a angústia de enterrar o filho Flávio Rubens Gomes de Oliveira. Alma de Oliveira desembolsou R$ 70 mil pelo carneiro 11.002, na Quadra 3 do São João Batista, pagos em cheque do Banco do Brasil. Um negócio com todos os rótulos de legalidade, inclusive constando no recibo seus dados e forma correta de pagamento. Só na aparência: o documento era um recibo provisório e deveria deveria ser substituído 90 dias depois pela nota fiscal. Como raramente as pessoas retornam, aí vem a surpresa. Na hora de contabilizar o negócio, na nota fiscal emitida na transação surgem outras cifras. Na compra da sepultura para o corpo do filho, na nota emitida em nome de Alma Rubens, por exemplo, o valor fixado foi de apenas R$ 8 mil — o que de fato foi parar nos cofres da Santa Casa.

Revestido em granito e ornamentado com flores, o jazigo, com nome gravado na cabeceira, é um dos mais bem conservados da área. “Nunca imaginaria que isso poderia acontecer comigo. Isso é Brasil”, limitou-se a declarar Alma, pelo interfone do prédio onde mora, no bairro do Cosme Velho.

Túmulo foi vendido por R$ 115 mil, mas nota foi de R$ 7 mil
Parece peça pregada pelo destino: o médico José Augusto Villela Pedras já chefiou, décadas atrás, a Clínica de Tumores da Santa Casa de Misericórdia — setor já desativado pela instituição. Em 2005, ele comprou o carneiro de número 1458E, na quadra 38 do Cemitério São João Batista. Preço: R$ 115 mil. O valor, porém, consta apenas no recibo. Na nota fiscal, emitida posteriormente, a importância despenca para R$ 7 mil. Hoje com 92 anos, o médico, que é fundador da primeira clínica particular de medicina nuclear do Brasil, não pretende entrar na Justiça. “Quero paz”, ele repete. Filha de José Augusto, Sandra Villela Pedras lembra que, na época da compra, a família fez questão de ir diretamente à Santa Casa. “Preferimos não fazer a compra por intermediários, que colocavam anúncios em jornais, por exemplo. Fomos direto à Santa Casa para evitarmos quaisquer problemas”, contou Sandra, após O DIA lhe entregar em mãos a nota fiscal emitida em 15 de maio de 2005. “Não vamos entrar numa briga por conta disso. Queremos apenas paz, tranquilidade”, ela também frisou.

Outros casos denunciam a audácia do esquema. Em 12 de aneiro de 2005, o carneiro de número 20198, no São João Batista, foi comprado, em nome de Edmundo Sperb Filho, por R$ 105 mil. Na nota fiscal, a quantia foi esvaziada para R$ 8 mil. Já Maria Idelai dos Santos pagou R$ 76 mil pelo carneiro 1143, na quadra 6 do cemitério de Botafogo — valor reduzido para R$ 10 mil na nota fiscal.

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