Secretário de Saúde Sérgio Côrtes é levado pelo Samu para hospital particular, o que é negado à população

Maria de Lourdes e o filho, que está em coma há nove anos Foto: Marcos Arcoverde / EXTRA

Flávia Junqueira

“Eu já sabia que a lei não vale para todos, mas nunca esperei ver isso esfregado na nossa cara”, disse a aposentada Maria de Lourdes de Andrade Paes, de 70 anos, enquanto assistia, pela televisão, à reportagem sobre o incêndio que atingiu, na madrugada, a cobertura do secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes. Ao contrário da autoridade pública, seu filho Heraldo José de Andrade Paes, de 51 anos, não foi levado pela ambulância do Samu para um hospital privado, como seu irmão tanto implorou, após ser atropelado por uma moto na Taquara. Heraldo está há nove anos em coma.
- Eu mostrei a carteira do plano de saúde mas o bombeiro disse que só podia levar para hospital público e o deixou no Miguel Couto. Lá, ele se debateu por meia hora. Depois, apagou e está assim desde então. Durante oito horas, ele ficou numa maca, até que conseguimos transferi-lo para um hospital privado - relembra a mãe, emocionada.

A família não se conforma com as horas perdidas na emergência pública.
- Ao chegar ao hospital privado, o médico avaliou o traumatismo craniano e disse que, se meu filho tivesse sido operado logo após o acidente, ele teria mais chances - disse Maria de Lourdes.

Os bombeiros que levaram Heraldo para o Miguel Couto cumpriram uma norma publicada na Portaria 449, em 6 de março de 2006, no Boletim Interno do Comando-Geral da corporação militar. Já a equipe da viatura SB 132, deslocada para socorrer Côrtes, na noite de quinta-feira, recebeu autorização superior para passar por cima da norma, levando o secretário para o hospital privado.

O Corpo de Bombeiros admitiu a exceção e explicou, em nota, que Côrtes, com plano de saúde, já tinha seu médico à espera no Hospital Samaritano, em Botafogo. “A família optou pela transferência para que ele não ocupasse um leito desnecessariamente”, diz a nota.
- Foi exatamente o que eu tentei argumentar com os bombeiros que socorreram meu irmão. Mas, para nós, não funcionou - disse o irmão Hamilton Luiz de Andrade Paes, de 49 anos.

Bombeiros dizem que pedidos são constantes
Bombeiros que atuam nas ambulâncias do Samu contam que escutam diariamente pedidos de familiares e de vítimas para que a remoção seja feita para um hospital privado. Segundo um técnico de enfermagem que pediu para não ser identificado, por temer represália, todas as pessoas que têm plano de saúde fazem esse pedido.
- Nós sempre negamos. A regra determina que só podemos levar para o hospital público de referência da área.

Ele lista duas excessões: quando o paciente está muito grave e não terá condições de chegar ao hospital público e há uma unidade particular mais próxima; e casos em que a pessoa recebeu alta há alguns dias, tem uma piora e a equipe médica que acompanha o caso está de prontidão a sua espera.
- De qualquer forma, sempre é preciso ter a autorização do oficial médico da regulação - disse ele: - Se o paciente acabar não sendo atendido no hospital privado, ou for mal atendido e, por isso, morrer, a responsabilidade cai em cima da equipe que fez o transporte.

Coordenadora do grupo de Emergência do Cremerj, que reúne o comando do Corpo de Bombeiros e chefes das emergências do Rio, a médica Érica Monteiro Reis afirma que a norma da corporação tem razão de existir:
- É um seviço público, não é para transporte. A função dele é socorrer em via pública e levar a vítima para uma unidade pública. As ambulâncias são divididas para rodar em determinada área. Isso agiliza o atendimento e libera a ambulância mais rapidamente.

Proporções fora do esperado
O Corpo de Bombeiros realizou perícia na cobertura de Sérgio Côrtes. Segundo a corporação, embora caiba à polícia esse tipo de trabalho, a Lei de Organização do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro permite que a perícia seja realizada pelos militares em casos em que o incêndio atinge proporções fora do esperado. No caso da cobertura, um curto-circuito numa adega poderia, normalmente, ser facilmente controlado. Como isso não ocorreu, os bombeiros fizeram a perícia própria para, segundo nota da corporação "estudar/avaliar a causa da anormalidade das proporções deste incêndio, para preparar e aperfeiçoar metodologias de combate".

Em nota, o secretário de Saúde agradeceu o trabalho do Corpo de Bombeiros e disse que procurou utilizar seus conhecimentos como ex-integrante da corporação. Ele reforçou que a população não deve fazer o mesmo, e sim aguardar pelo resgate.

http://extra.globo.com

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