O nome dela é superação

Foto: Fábio Gonçalves / Agência O Dia
POR Pamela Oliveira 

Rio - Aos 28 anos, Carolina Basílio desafia seus limites diariamente. Ex-jogadora da primeira seleção de futebol feminino, onde dividiu os gramados com Marta, Carol agora briga por uma vaga nas Paraolimpíadas de Londres nas piscinas. O desafio, no entanto, não é o maior nem o mais difícil da sua vida. Há 2 anos, ela perdeu as pernas num acidente: a moto que pilotava foi atingida por um carro em alta velocidade. Desde então, Carolina descobriu uma força que desconhecia. Sorridente, hoje batalha para baixar de 38 segundos para 34 segundos e 32 décimos seu tempo nos 50 metros livres.

O DIA: O que você lembra do acidente do dia 6 de abril de 2010?
CAROLINA:Eu reduzi (a velocidade da moto) em um cruzamento de Icaraí, em Niterói, mas um Tucson veio a 120 km/h e me atropelou. Quando caí, vi minha perna direita do outro lado da rua com meu tênis. Isso não sai da minha cabeça. Parecia que era uma peça de encaixe do meu corpo. Pensei: ‘Vou ter que ser muito forte’

Você desmaiou?
Eu sabia que se fechasse os olhos eu morreria. Tentei levantar a perna esquerda e não consegui. Achei que estivesse com uma lesão na coluna. Não frequento igreja, mas praticamente fui para o outro plano. Vi aquela luz ofuscante, chegava a doer. Foi quando senti um tapa na cara. Foi como se eu estivesse caindo e uma pessoa viesse me puxar. Senti o tapa e ouvi ‘Eu tô aqui com você’. Eu pensava muito na minha mãe, pedia para não falar nada para ela e que avisassem meu irmão. 

Quem te acordou?
O tenente Lamego, um médico bombeiro. Ele dizia ‘Calma, você tá viva, vai sobreviver’. Eu estava morta até ele chegar. Seria questão de segundos. Estava perdendo todo o sangue. Não tinha forças até ele tirar o cinto e fazer um torniquete na perna direita, que tinha sido amputada. Ele estava desesperado pedindo outro cinto para estancar o sangramento da perna esquerda, que estava esmagada. 

Você sentiu dor?
Não. Só muito desconforto abdominal porque, depois que o carro me atropelou, bati com o abdome no poste. Foi na mesma noite em que caiu o (Morro do) Bumba e todas as ambulâncias estavam socorrendo os soterrados. Uma pessoa passou e pediu uma ambulância. Havia uma, com o giroscópio quebrado, que estava estacionada. Foi a que me socorreu. Não posso reclamar, chegou muito rápido. 

A perna amputada poderia ter sido reimplantada?
Poderia, mas eu estava no Hospital Azevedo Lima, em Niterói, e o reimplante só poderia ser feito em Saracuruna, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Na sala de cirurgia, ouvi os médicos falando em me transferir para tentar reimplantar a perna direita. A esquerda não dava para salvar porque tinha sido esfacelada. Um médico argumentou que eu poderia morrer no caminho até Saracuruna. Escutei tudo e disse: ‘Não quero morrer. Prefiro ficar sem a perna’

O que foi mais difícil?
Contar para minha família. Meu pai ficou desconsolado. Minha mãe desmaiou, entrou em pânico. Lidar com a dor deles era o mais difícil. 


Publicado em 28/04/2012 por TVODia Carolina Basílio, 28 anos, treina por vaga nas Paraolimpíadas de 2012

Como o esporte voltou à sua vida? 
Um fisioterapeuta disse que eu tinha porte atlético e que era capaz de virar atleta paralímpica. Pensei em natação porque não aguentaria ficar só sentada e deitada a vida toda. Fui criada em Jurujuba, já nadava, sempre peguei onda. Fui para a primeira competição como convidada em dezembro de 2010 e, de cara, fiz 50 metros em 50 segundos, índice para participar das etapas nacionais. Em abril de 2011, nadei em 40 segundos e consegui minhas medalhas. Fiquei motivada. 

E hoje? 
Estou no Vasco, feliz. Como São Januário é longe de casa, treino na AABB (Associação Atlética Banco do Brasil), que me ajuda com a instalação, piscina, sauna, musculação. Meu irmão está sempre comigo. Treino de segunda a sábado. Nado 1.800 ou 2.000 metros. 

Tem sonhos de participar das Paraolimpíadas? 
Estou tentando. Tenho que diminuir 3 segundos meu tempo. Sou a única atleta que não tem as duas pernas.  
Como superou tudo? 
Quando estava caída no chão, no acidente, pensei nisso: ‘Como vai ser sem perna?’ Quando você olha o exterior, é muito difícil. Então, fiz uma ‘pós-graduação interior’. Decidi que era bola pra frente. Não me permiti pensar em tristeza, só em maneiras de encher a minha vida e voltar a ser o que era. Não vou impor mais limitações do que as físicas à minha vida. 

Faz terapia? 
Não. Tive alta ainda no hospital. Faço fisioterapia três vezes por semana, dou aula de natação, vôlei e futebol gratuita para crianças. Estou abrindo uma ONG para ajudar vítimas de acidentes e escrevendo um livro. Também dou palestras em escolas públicas e empresas sobre a importância do capacete e sobre superação.

Carolina mostra a coleção de medalhas conquistadas com a natação em apenas dois anos de competições | Foto: Fábio Gonçalves / Agência O Dia

Por que você tem uma prótese colorida?
Quem usa prótese geralmente quer da cor da pele. Muitas vezes o preconceito já vem do deficiente. Se você se aceita, muda tudo. Eu queria a minha roxa, com o ferro exposto. Não é qualquer um que consegue andar ali, então, por que tentar esconder que estou com a prótese? Quando saí de casa nas primeiras vezes, as pessoas me olhavam como se eu fosse de outro planeta. Não ter as duas pernas não é comum. As pessoas esperam ver alguém debilitada e não uma pessoa jovem, que faz um monte de coisas, que tem projetos. 

Você mudou?
Tem sido um aprendizado. Vejo a vida mais profundamente, não me aborreço com qualquer coisa. Antes do acidente, eu ficava desesperada com uma celulite na perna. Hoje, não importa se perdi as pernas, importa que estou viva e sou a mesma Carol de sempre, que gosta de viver, é teimosa, ri mais do que chora, mas chora também. 

Quando você fez a tatuagem na perna?
Bem antes do acidente, é uma música de São Pedro, sou devota e tenho certeza que na hora do acidente ele me ajudou. Minha perna foi amputada logo abaixo da letra. A tatuagem ficou intacta. 

Atropelador fugiu sem prestar socorro
O motorista que atropelou Carolina na noite de 6 de abril, em Niterói, fugiu do local sem prestar socorro. Mas ele não contava com a determinação do pai da jovem, o produtor e publicitário Roberto Basílio, 59 anos, que não descansaria até encontrá-lo. O motorista responde a processo em segredo de Justiça. “Passei dias procurando. Fui na rua do acidente e descobri que uma advogada havia anotado a placa, não tinha certeza das letras. Ela sabia que era um Tucson preto, mas nem no Detran eu consegui chegar ao dono do carro só com os números e o modelo”.

Inconformado, Basílio foi a oficinas mecânicas, revendedoras de peças e estacionamentos em Niterói à procura de um carro com essas características que tivesse alguma marca de acidente. “Um dia, me avisaram que uma oficina estava querendo comprar toda a parte dianteira de um Tucson. Chamei a polícia, e ela chegou ao motorista, que tinha 19 anos. Foi a maior dor da minha vida ver o carro com a dianteira destruída e com a cor da moto de Carol”, desabafa.

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