domingo, 29 de janeiro de 2012

Antes das escolas, sambra sofreu perseguição e não era a atração principal

O povo se divertia nos blocos e cordões, e não se misturava às elites durante o carnaval 

Leonardo Bruno e Gustavo Melo

AS ORIGENS: começo do século 20 "Senhor, recebemos a denúncia de que aqui se canta samba"

Essa frase partiu de um policial, nos primeiros anos do século 20, dirigida a um dos pioneiros do samba carioca, João da Baiana. A perseguição aos primeiros sambistas era herança da discriminação contra os negros, libertados da escravidão poucos anos antes.

Assim começa a história das escolas de samba, numa trajetória que será contada pelo EXTRA numa série de sete reportagens, dentro do projeto que festeja os 80 anos de desfiles. Foi assim, perseguido e marginalizado, que o samba cresceu na chamada "Pequena África" — o apelido foi dado por Heitor dos Prazeres. Essa região localizada entre os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e a Pedra do Sal, abrigava terreiros de candomblé, onde depois dos cultos eram formadas rodas de samba. A região da Praça Onze também era marcada por reuniões de músicos como Donga e Pixinguinha. Lá ficava a casa de Tia Ciata, considerada uma das matriarcas do samba. Mais tarde, no Estácio, era criado o chamado "samba de sambar", por Ismael Silva. Nascia a semente da primeira escola de samba, a Deixa Falar.

Uma alegoria dos Democráticos, uma das grandes sociedades, nos anos 30

Enquanto o samba florescia, as manifestações carnavalescas "dividiam" o Rio. A elite se divertia nos bailes e se exibia nas grandes sociedades, como Fenianos, Tenentes do Diabo e Democráticos. A grandiosidade e o luxo das alegorias paravam as ruas do Centro. As alegorias eram puxadas por cavalos, tinham movimentos, iluminação própria e traziam belas mulheres. A diversão do povo estava nos cordões e, principalmente, nos ranchos. A música que embalava os desfiles era a marcha-rancho, acompanhada de instrumentos de sopro e de corda, num ritmo mais pausado que o samba. Os ranchos ganharam popularidade nos primeiros anos do século. Entre os mais famosos, estavam o Ameno Resedá, o Rei de Ouros e o Flor do Abacate. Anos depois, Joãosinho Trinta disse que as escolas de samba eram o terceiro elemento da "santíssima trindade", formada pelos ranchos e pelas grandes sociedades. Mas o que não havia nessas outras manifestações carnavalescas era o ritmo contagiante do samba. Antes, marginalizado; mais tarde, consagrado o gênero musical mais popular do Brasil.

Deixa Falar e Tia Ciata, duas instituições do samba carioca. Parece mentira, mas a primeira escola de samba da história, a Deixa Falar, nunca desfilou como escola de samba. Ela foi fundada como bloco, em agosto de 1928, e, em 1931, já se organizava de outra forma: a ideia era se preparar para, no carnaval de 1932, desfilar como rancho. Naquele ano, quando aconteceu o primeiro desfile das escolas, a Deixa Falar não quis participar do concurso — preferiu se juntar aos ranchos, numa disputa "mais importante". E, em vez de sair às ruas com o samba característico, inventado por seus próprios componentes, desfilou com a marcha-rancho. Mas o desfile foi um desastre, e nem classificada a Deixa Falar foi. Passado o carnaval, a agremiação entrou em crise, foi minguando, até que acabou, no mesmo ano!

A Tia Ciata dos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lávia 
(Salgueiro, 2007) Foto: Leonardo Aversa

E aí terminava a história da primeira escola de samba do Brasil, aquela que foi sem nunca ter sido! Uma das figuras mais marcantes da gênese do samba é Tia Ciata. A fantasia e o rodopio que as baianas exibem hoje são uma forma de celebrá-la. Cozinheira, mãe de santo e muito hospitaleira, Ciata recebe em sua casa, com alegria e boa música, compositores e sambistas de primeira linha. Ela alugava suas roupas de baianas para espetáculos teatrais — assim nasceu uma das alas mais tradicionais dos desfiles das escolas de samba. E Tia Ciata conquistou lugar definitivo no templo dos deuses do samba.

http://extra.globo.com


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