ONGs cobram taxa por vagas no programa Minha Casa, Minha Vida
hotfrog.com.br/Divulgação.
Entidades forjam documentos para burlar regras de acesso ao programa. Governo vai investigar, mas Caixa admite ser ‘difícil’ comprovar fraudes.
Entidades cadastradas pelo governo estão cobrando “taxas” para incluir
pessoas no Programa Minha Casa, Minha Vida, que financia moradias
populares para famílias de baixa renda. Reportagem do Fantástico,
exibida neste domingo (30), mostra dirigentes de entidades negociando
vantagens para burlar o processo de seleção do programa. As fraudes acontecem por meio de uma modalidade específica, em que
organizações não-governamentais e cooperativas são habilitadas como
parceiras. De acordo com a reportagem, a parceria com as ONGs é a parte
menor do programa. Em geral, os compradores negociam os imóveis com as construtoras, e o
governo paga parte da dívida. Com autorização do governo, as ONGs
selecionam as famílias, elaboram os projetos e, em alguns casos,
executam as obras. Só pode se candidatar quem tem renda familiar de até
R$ 1,6 mil. As fraudes, em geral, consistem em informar renda inferior e omitir ou
acrescentar dados sobre o candidato para que ele se encaixe no perfil do
programa e facilite sua inscrição. A seleção deve priorizar mulheres
chefes de família, portadores de necessidades especiais, idosos e
pessoas consideradas em situação vulnerável, como moradores de áreas de
risco.
Criado em 2009, o Minha Casa, Minha Vida já entregou mais de 450 mil
casas e apartamentos.
Para ter a casa própria, as famílias pagam 10% do
salário, durante 10 anos, e o governo custeia o restante do imóvel. O Ministério das Cidades, responsável pelo programa, disse que vai
investigar os casos apontados pela reportagem. O superintendente da
Caixa, que financia o programa do governo, Paulo José Galli, admite que é
difícil comprovar a fraude.
“Ao receber essa declaração de autônomo, a Caixa não tem como saber se
ela é verdadeira ou falsa. A gente presume, quer dizer, existe uma
entidade que está apresentando, existem pessoas que apresentam essa
documentação. A gente parte do pressuposto que existe seriedade e
honestidade. Uma vez detectada qualquer irregularidade a Caixa vai atuar
de maneira efetiva”, afirmou Galli.
Fraudes
Um dos projetos em que foram encontradas irregularidades é o da
Cooperativa Habitacional dos Moradores do Distrito Federal e Entorno, em
Luziânia. A obra ainda não foi aprovada pela Caixa Econômica Federal, e
não saiu do papel. Mesmo assim, a cooperativa ajuda a negociar lotes de
pessoas que ainda não receberam a casa, mas já têm intenção de
vendê-la.
“Eu não declarei renda lá também, porque se for declarar renda, Deus me
livre! Ia sair caro demais. Eu tiro R$ 2 mil por mês. E já passou pela
Caixa. Seria interessante você não dar nenhum comprovante de renda,
porque aí, quando passar para o financiamento da Caixa, vai pagar só
10%. Vai ficar barato”, revelou um dos inscritos no programa por meio da
ONG de Luziânia que já conseguiu duas casas em nome dele e da mulher.
“Eu falei que eu tinha cadeirante, que eu precisava pegar ônibus e
tudo. Então, você tem que inventar umas coisas para ficar com um lote
melhor”, afirmou.
De acordo com a diretora de produção habitacional da Secretaria
Nacional de Habitação, do Ministério das Cidades, Maria do Carmo
Avesani, é proibido que um casal, mesmo que em união estável, seja
beneficiado duas vezes pelo programa.
“Se ele tem uma união estável, ele é um único núcleo familiar, por que
ter duas casas? O ‘Minha Casa, Minha Vida’ não é para fazer comércio”,
afirmou a diretora.
“As famílias, quando dão as declarações, elas também se responsabilizam
pelas declarações que são dadas. Qualquer declaração falsa, o cidadão
que deu a declaração falsa irá arcar com as consequências daquele fato e
daquele ato”, completou Maria do Carmo Avesani.
Uma funcionária da mesma entidade de Luziânia disse ao Fantástico que
para ser um dos beneficiários do Minha Casa, Minha Vida bastava pagar R$
4,5 mil. Ela chegou a afirmar que a lista de inscritos estava completa,
mas ofereceu contatos de pessoas que queriam vender um de seus lotes,
sem sequer ter recebido o imóvel.
“Eu vou vender um para sanar algumas dívidas. Depois, se eu conseguir
outro, eu vou pegar mais um, porque vai ser investimento”, disse o
participante do programa ouvido pela reportagem.
A presidente da cooperativa de Luziânia, Fabiana Maria Lima de Morais,
negou que o inscrito no programa que falou à reportagem tenha duas
vagas. “Ele só tem o cadastro dele. Vendo ali a oportunidade de passar
aquela cota, ele inventou que tinha dois cadastros”, afirmou.
Por telefone, o rapaz também negou as declarações que havia feito à
reportagem. Mesmo assim, a presidente da cooperativa pretende excluí-lo
do projeto. Segundo Fabiana, a funcionária da ONG também deu informações
erradas e será demitida.
Em São Paulo, outra organização, Conselho Comunitário de Educação,
Cultura e Ação Social (CCECAS), cobra R$ 5,5 mil pela vaga. “O valor é
assim: você paga R$ 5,5 mil, parcelado ou à vista. como for melhor. Já
está tudo aprovado com a Caixa”, informa um homem.
“Eu diria que cobrar R$ 5,5 mil para se inscrever num programa onde as
famílias pagam 10% de contribuição depois da unidade pronta, ou no
mínimo R$ 50, não é coerente”, afirmou a diretora do Ministério das
Cidades.
Desde 2008, a entidade oferece apartamentos em um terreno em
Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Até agora, nada foi construído e o
projeto não foi aprovado pela Caixa. Seriam 12 prédios em uma área,
atualmente, tomada pelo mato. A ONG foi criada pelo presidente do Partido Verde da região e
ex-candidato a prefeito, Ricardo Silva. Ele e a mulher afirmaram ter
pelo menos cinco parentes entre os beneficiários. A administradora de empresas Eliane Cristina Rengies e ex-funcionária
da ONG e diz que foi obrigada a incluir parentes dos dirigentes no lugar
de outras famílias.
“Eu tive de falar: ‘Olha, você não passou na pesquisa da Caixa. No
Cadin, na sua renda, você ultrapassa o que a Caixa exige. Muitas vezes,
foi mentira. Ele só chegou com a documentação, me entregou e falou:
‘Essa pessoa tem que entrar, que é minha sobrinha’”, contou a
ex-funcionária.
Ricardo negou que tenha privilegiado familiares. “Eu acho o seguinte:
eu não posso fazer nada que beneficie o meu sobrinho ou a minha filha,
mas também não posso fazer nada que os prejudique. O programa diz o
seguinte: é para famílias de baixa renda, de zero a três
salários-mínimos. Ele está dentro do perfil? Tem filhos? Tem família?
Tem casa? Não tem. Então, se inscrevem no programa”, disse Ricardo
Silva.
Outra irregularidade é que, entre as 160 casas do conjunto, metade
serão entregues a solteiros. “Não é um fato positivo, com certeza,
selecionar hoje uma pessoa solteira, diante de tantas outras que têm
famílias e que teriam prioridade pelas diretrizes gerais do programa”,
afirmou a diretora de produção habitacional do Ministério das Cidades.
No município de Poá, na Grande São Paulo, a ONG Conpoá chegou a
cadastrar 200 moradores para um projeto habitacional em um terreno. Mas o
Ministério das Cidades afirmou que não autorizou a entidade a trabalhar
em nome do “Minha Casa, Minha Vida”.
Pessoas como a cabeleireira Terezinha de Lima Torres acreditaram que se tratava de uma parceria com a Caixa. Ela pagou R$ 300 para que a ONG elaborasse um projeto que nunca saiu do papel.
“Como entra a Caixa Econômica Federal, a gente sempre confia. Eu caí
num golpe. Mas ainda bem que eu... Quer dizer, perdi R$ 300, que parece
que não é muito, mas faz falta”, lamenta Dona Terezinha.
A presidente da ONG, Roseli Sousa da Fonseca, disse que vai devolver o
dinheiro. “Eu faço agenda e faço as devoluções para as famílias. A minha
consciência, eu deito e durmo de boa, porque eu tenho a certeza de que
eu não estou lesando ninguém”, afirmou.
Depois de saber das irregularidades a Caixa suspendeu os processos das
associações de Luziânia e de São Paulo e pediu esclarecimentos às ONGs
de Itaquaquecetuba e de Poá.
Investigação
O Ministério Público Federal informou que investiga a atuação das ONGs
na Grande São Paulo. Segundo o procurador da República Matheus Baraldi
Magnani, tanto a construtora quanto os beneficiários do programa são
selecionados pelas entidades privadas, o que dificulta a fiscalização
por parte do governo
“Tanto a construtora quanto os beneficiários são escolhidos,
literalmente escolhidos por uma ONG. Ou seja, uma entidade privada. E o
Estado não tem nenhum controle efetivo direto. O cadastramento das
famílias nem sempre é feito com base em critérios objetivos. É um
convite à corrupção, sem sombra de dúvida. São praticamente inexistentes
filtros contra a corrupção no ‘Minha Casa, Minha Vida’. Isso é muito
grave”, afirma o procurador.
Veja dicas para evitar fraudes:
- Veja se a entidade está autorizada pelo Ministério das Cidades. A lista está no site www.cidades.gov.br;
- Procure conhecer a ONG e saber como ela atua na comunidade;
- Informe-se sobre outras obras já executadas;
- Participe das discussões do projeto;
- Qualquer pagamento também deve ser discutido entre todos os
associados. Não aceite cobranças de taxas com as quais você não
concorde;
- O dinheiro pago a entidades não garante um lugar no programa. A Caixa
precisa aprovar todas as famílias selecionadas pela ONG.
- Os pagamentos para a Caixa só começam depois que o imóvel está pronto.
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