'Todos me chamaram de doido', conta o economista Vilfredo Schürmann

Foto: Divulgação
POR CRISTINE GERK

Rio - A família pensou que ele tinha ficado maluco quando anunciou que ia entrar num veleiro com a mulher, os filhos de 7, 11 e 15 anos, e dar a volta ao mundo. A reação foi a mesma depois de eles serem a primeira família brasileira a circunavegar o planeta em um veleiro por 10 anos, quando ele quis refazer a rota de Fernão de Magalhães, encontrar submarino alemão da Segunda Guerra Mundial naufragado no Brasil e adotar criança da Nova Zelândia com HIV. Mas o economista Vilfredo Schürmann tinha muita confiança no seu norte. E todas as vezes que seguiu sua orientação, acertou.

ODIA: Quando você começou a velejar?

VILFREDO: – Em 1974, eu e Heloísa ganhamos uma viagem para o Caribe. Trabalhava como consultor de empresas em Florianópolis. Ela era professora de inglês e tocava curso nosso por lá. Estávamos namorando na praia e vimos veleiros. Pedimos para andar num deles. Foi amor à primeira vista. Falei para ela: um dia voltaremos aqui com nosso próprio veleiro, vindo do Brasil. E aconteceu. Doze anos depois. Foi a maior emoção das nossas vidas.

Como você decidiu dar a volta ao mundo?

Logo que voltamos do Caribe, compramos um barquinho e começamos a participar de regatas. Tivemos aula sobre orientação pelos astros. Em 1982, viajamos do Rio a Floripa. Um ano depois, no Natal, anunciamos para a família que venderíamos o curso, eu abandonaria o emprego e velejaríamos pelo mundo com nossos filhos (Pierre, David e Wilhelm, na época com 15, 10 e 7 anos). Os parentes acharam que estávamos loucos. Perguntaram: “De que vocês estão fugindo? Como decidiram isso do nada?”. Mas não era do nada. Eu e Heloísa planejávamos há 1 ano, só que era algo só nosso.

Que tipo de preparação fizeram para a viagem?

Heloísa fez curso de primeiros socorros e eu fiz capacitação com meu dentista. Um dia me joguei no mar, sem avisar nada, para ver se estávamos preparados. Foi um Deus nos acuda. Vi que tínhamos que nos preparar melhor. Instalamos cintos de segurança presos ao barco, que usamos com o mar agitado, além do salva-vidas. Na Patagônia, a água tinha 5 graus negativos. Não podíamos pensar em cair. Tínhamos todo tipo de equipamento, farmácia, Internet via satélite e GPS.

Tudo isso impediu situações perigosas?

Nunca caímos no mar, mas passamos maus bocados. O pior foi uma tempestade na Nova Zelândia, com ondas de 10 m e ventos do nível do furacão Katrina. Ficamos 10 dias à deriva, perdemos os mastros. Voltamos para a costa com motorzinho reserva. Outro dia, estávamos no Estreito de Magalhães e David teve apendicite. Falamos com médicos online e achamos hospital em Puntarenas. Chegamos lá em um dia. Teve a vez também que Heloísa quebrou o dente e eu mesmo consertei. O dentista que a examinou depois disse que ficou perfeito.

Como educou as crianças?

Eles tinham aulas por correspondência. Primeiro, com escolas brasileiras, depois americanas, porque as greves nos correios daqui atrapalhavam. Estudei Pedagogia para ajudá-los. Com dois anos de viagem, Pierre quis ficar nos EUA, para estudar Informática. Depois de 5 anos, foi a vez de David ancorar na Nova Zelândia para estudar Cinema. Foi muito difícil deixar nossos filhos. Wilhelm fez os 10 anos de viagem. Hoje ele é bicampeão de windsurf. David é CEO da empresa Schürmann (que administra vídeos e publicações sobre a aventura da família e presta consultoria de segurança no mar) e Pierre é empresário da área de Internet. Saíram-se muito bem.

Como vocês se mantinham no mar?

Ficávamos 60% do tempo ancorados e 40% no mar, mas 100% no barco. Por onde íamos eu consertava coisas, ajudava pessoas e acabávamos ajudados também, com comida, presentes. Começamos a vender matérias e a receber pessoas no barco. Tínhamos gasto médio de R$ 1,6 mil por mês, dava para ficar bem.

Devem ter feitos muitos amigos ...

Nossa, no Natal são caixas de postais. Mas o maior presente que ganhamos foi a Kat. Um casal que conhecemos na Nova Zelândia me procurou no Brasil dizendo que sua mulher havia morrido. Pediu que eu ficasse com a filha deles, Kat, de 5 anos. Os 3 tinham Aids. Todos nos desaconselharam porque ela “estava com os dias contados”. Mas ela viveu 11 anos conosco viajando, foi um anjo na nossa vida.

E de onde saiu essa ideia de procurar submarino?

Em 2001, um amigo me disse que havia um submarino alemão naufragado na costa. Fiquei com aquilo na cabeça. De novo, todos me chamaram de doido. Mas o achamos a 135 metros de profundidade e 85 km da costa catarinense. É a primeira vez que um barco a vela acha um submarino.

odia.terra.com.br


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