segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Fechamento do Aterro de Gramacho deixa legado de frustração e desamparo

Famílias sofrem com o não cumprimento de promessas, como 
a recuperação da área do mangue e revitalização do bairro.


Prefeito Eduardo Paes e comitiva. Promessa não cumprida.
WILSON AQUINO

Rio - Anunciado como legado antecipado pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 , o fechamento do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, ocorrido em 2012, deixou mesmo foi um gigantesco passivo ambiental e social. Junto com o encerramento das atividades do maior lixão da América Latina veio uma série de promessas de recuperação da área de mangue, revitalização do bairro e qualificação profissional de milhares de catadores, que não foram cumpridas. “Fomos enganados”, afirma a presidente do Fórum Comunitário de Jardim Gramacho, Maria Rosinete dos Santos, a Nete, afirmando que desde o fechamento a situação do bairro e das famílias que vivem no entorno do Aterro Sanitário piorou. Apenas uma indenização de R$ 14.000,00 foi dada. Mesmo assim apenas para 1.700 catadores. O lixo continua sendo despejado na região, só que em vez de ser jogado no Aterro preparado para receber os detritos, vai parar na casa das famílias. “O quintal das pessoas virou vazadouro de lixo”, diz o secretário de Meio Ambiente de Caxias, Luiz Renato Vergara. Ele afirma que já apreendeu caminhões, montou barricadas e até perfil metálico nas ruas para impedir a entrada de veículos com lixo, mas não conseguiu interromper a atividade ilegal. “Isso é dominado por traficantes”, garante. Mas não é bem assim. “O pessoal ficou sem serviço para sustentar as famílias. Agora estão jogando lixo clandestino, que é para tirar um pão, comprar um leite pros filhos, estão dando o jeitinho deles. Estamos vivendo assim, esqueceram de nós, ficou precário mesmo”, justifica um catador que recebe lixo em casa.


O prefeito Eduardo Paes abraça um catador durante fechamento de aterro.

Quando o Aterro funcionava, eles trabalhavam em condições dignas: usavam capacetes, botas, luvas e colete. E os menores de idade eram proibidos de entrar no Lixão. Agora, garimpam descalços, totalmente desprotegidos e disputam espaço com porcos e urubus. Inclusive, as criancinhas. Se antes, não tinham vergonha do ofício, agora trabalham clandestinamente, com medo dos helicópteros que sobrevoam a região e da patrulha ambiental de Caxias. Não gostam de falar, porque temem que as autoridades apareçam e acabem com sua única fonte de renda.

“Essas pessoas são especialistas em coleta seletiva”, defende Nete, explicando que os catadores trabalham com isso desde crianças e não sabem fazer outra coisa. Inaugurado em 1978, o Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, que fica em Duque de Caxias, ocupava área de 1.300.000 metros quadrados do Governo Federal. O espaço foi cedido à Comlurb e funcionou como lixeira da capital até junho de 2012, quando foi encerrado por causa da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). A Comlurb, em 2007, fez uma parceria público privada com o consórcio Gás Verde para exploração do biogás gerado na decomposição da matéria orgânica. A Refinaria Duque de Caxias (Reduc, da Petrobrás) fica com toda produção. Parte do lucro com o negócio deveria ser revertido para o Fundo de Revitalização do bairro. Mas não foi isso que aconteceu. “O crédito de carbono, que a venda do gás geraria, seria a grande fonte de renda. Mas, nunca saiu um tostão pra fundo nenhum”, diz o secretário Vergara, que ano passado multou a Gás Verde em mais de R$ 10.000.000,00, por crime ambiental. O legado virou herança maldita.


Famílias vivem em moradias de papelão
Cerca de mil famílias sobrevivem no entorno do Aterro Sanitário. Aquele conjunto de moradias tem que evoluir muito para chegar à condição de favela. É um assentamento, com moradias feitas de lascas de madeira, compensado, papelão, metal e o que der mais para fazer de parede. A porta, normalmente, é um pedaço de tecido ou um lençol. O piso é de terra batida. Não tem banheiro. Não tem água. O cenário é desolador: urubus ocupando galhos de árvores e a poeira das ruas de terra desbotando o verde das folhas. Crianças brincando no lixo. Levantamento da ONG Teto, que construiu 110 casas de madeira na localidade, revela a precariedade. Pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que Caxias lidera o ranking das 10 cidades com maiores taxas de internação infantil por diarréia (77,1%). “Além de diarréia, as crianças têm muita bronquite e doenças de pele”, conta uma moradora.

Moradores dependem de doações para viver
Com o Poder Público ausente, são os projetos sociais que dão alento ao povo do entorno do Aterro Sanitário, de Jardim Gramacho. A assistente social e professora Roberta Azevedo, 34 anos, é uma das pessoas que se dedica às crianças da comunidade, que conheceu em 2014. Reuniu algumas mães e montou um projeto de reforço escolar. “Começamos com 23 crianças e hoje temos 127”, diz Roberta, que fundou a ONG Amparando Jardim Gramacho, que oferece refeições, reforço escolar e atividades lúdicas para as crianças. O trabalho é custeado por doações de pessoas físicas, que se comovem com a situação precária das famílias. “A gente gasta de R$ 5.000,00 mil a R$ 6.000,00, mas de receita fixa temos R$ 2.700,00”, explica Roberta, que vive pedindo socorro. “Se não tem dinheiro, ajuda como puder. Dá leite, cesta básica”, apela. Entre as crianças que Roberta cuida, constam 18 bebês e 66 menores de três anos.

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