domingo, 17 de julho de 2016

Na Lava Jato, muita coisa ainda vai acontecer, diz autor de livro


Vladimir Netto, jornalista

FRANSCINY ALVES
ESPECIAL PARA O TEMPO

Autor do livro “Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil”, Netto acompanha a operação desde o início, em março de 2014. Os direitos autorais da obra já estão nas mãos do cineasta José Padilha, que irá criar uma série para Netflix. Após mais de 132 horas de entrevistas com acusados e investigadores, o jornalista Vladmir Netto conseguiu reunir informações dos sonhos de todo repórter. Relatos sobre uma quase fuga do doleiro Alberto Youssef, detalhes de como o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa teve papel decisivo ao revelar o que sabia aos investigadores da operação Lava Jato, bastidores inéditos da prisão de Delcídio do Amaral, e particularidades sobre o juiz Sergio Moro, que estampa o livro que se formou a partir do material. “Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil” se tornou realidade após leituras de documentos da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça do Paraná, além de milhares de mensagens e conversas paralelas que não puderam ser gravadas.

Por que escrever sobre uma operação que nem mesmo chegou ao fim?
O combinado sempre foi fazer um livro sobre os primeiros dois anos da Lava Jato, mas ao final disso já tinha muita coisa para contar. E a Lava Jato é uma história que o Brasil precisa conhecer, até mesmo para conseguir se preparar para os próximos capítulos. Muita coisa ainda vai acontecer, mas o que já aconteceu é muito importante. Por que a Lava Jato deu mais certo que outras operações policiais? Por que ela venceu onde outras fracassaram? Então, essas perguntas já estão respondidas.

E quais são as respostas?
É uma série de fatores que, se somados, por uma conjunção astral, por uma coincidência, acabou reunindo no mesmo lugar uma série de pessoas que eram capazes (de trabalhar na Lava Jato), a situação, o momento, tudo. Até mesmo a sorte. O legado da Lava Jato já está colocado: é que país é esse que a gente vai querer no futuro? A Lava Jato mostrou que é possível combater a corrupção de uma maneira bem sucedida. Então, se ela já deixou um bom exemplo, a escolha do que a gente vai querer do Brasil já está nas mãos da sociedade. Por isso, eu achei que já dava para eu fazer esse corte, e contar logo tudo que tinha acontecido.

Quando você começou a escrever o livro?
Eu recebi o convite para escrever o livro no Natal, e eu comecei a escrever no dia primeiro de janeiro de 2015. Nesse dia eu estava escalado para cobrir a posse da presidente Dilma Rousseff. Eu estava num andaime em frente ao Palácio do Planalto, entrando ao vivo na programação, e entre uma entrada e outra, eu mandei um e-mail para o editor dizendo: “Olha, eu topo. Vamos fazer”. Então, eu voltei para a casa naquele dia e comecei a escrever.

E o que ficou para a fora do livro por questão de tempo?
Teve a prisão do japonês da Federal (o agente Newton Ishii). No dia em que eu entreguei o livro para a gráfica – porque eu fique até o último momento fazendo atualizações e checagem –, na hora que começou a rodar o livro eu fui olhar nas agências (de notícias), para ver o que estava acontecendo, e vi que o japonês havia sido preso. Eu liguei correndo para editora, para tentar incluir a prisão do japonês, mas aí eles falaram: “Já baixou, já rodou”. Acho que vou ter que deixar isso para o dois, ou para a série do (José) Padilha.

Tem algum bastidor ou um momento mais significativo para você no livro?
Eu gostei muito da reconstituição que eu consegui fazer da sétima fase, quando ocorreu a prisão do Marcelo Odebrecht. Mas tem também a prisão do Delcídio do Amaral, que eu consegui falar com ele, e ele me contou o que estava sentindo antes (de ser preso), o que ele comeu antes. Além disso tem a quase fuga do (Alberto) Youssef, antes da primeira fase da Lava Jato, e também tudo o que levou até a prisão de Paulo Roberto Costa, em que eu trabalhei numa reconstituição bem fiel.

Por estar constantemente em Brasília, você tem percebido que os políticos estão com certo temor da Lava Jato?
Eu acho que não só em Brasília, mas em todos os lugares que vou, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. O que eu percebo é que aumentou a percepção de risco sobre a corrupção. O corrupto, na hora de cometer um crime, faz uma análise: vale a pena fazer isso ou eu posso ser preso? Muitos optaram cometer o crime pensando que não iriam ser presos, mas agora que a Lava Jato já prendeu muita gente, eu acho que hoje em dia, para o cara decidir cometer um ato de corrupção, ele pensa duas vezes.

É o fim da corrupção?
Não estou dizendo que a corrupção acabou, porque isso está longe, né? A luta contra a corrupção é constante. Porém, o que eu percebo é que as pessoas estão mais atentas a isso. A Lava Jato traz a pergunta de que país e que sociedade a gente quer. E esse futuro pode ser melhor, com menos corrupção. Eu acredito.

O juiz Sergio Moro está na capa do livro, e você também o descreve com várias qualidades. Você já foi acusado de enaltecê-lo?
Teve uma ou outra pessoa. Mas eu acho que não. Eu fiz uma avaliação de um servidor que fez um bom trabalho. Eu acho que, se a gente tem pessoas comprometidas, competentes, que fazem um bom trabalho, por que a gente não pode contar uma boa história brasileira? É um história de esperança contra a corrupção. E aí não pode contar? Eu acho que tem que contar. Tem muitos outros juízes bons no país, que eu conheço e que seriam capazes de tocar um julgamento de processos tão complexos como esses, mas o Moro estava preparado para essa missão, ele era o cara que estava ali no lugar certo e na hora certa. E eu só estou relatando um bom exemplo.

Além do juiz Moro, teve algum outro personagem que você considera importante para a investigação?
Eu acho que a delação do (Alberto) Youssef e do Paulo Roberto Costa foram fundamentais. Eles abriram a caixa de Pandora, e que permitiu tudo que está acontecendo hoje. Porém, eu destacaria o trabalho dos delegados e procuradores. A Lava Jato não é trabalho de um homem só. Por mais que tenha o Moro na capa, e ele é central na história, os delegados e os procuradores são fundamentais. Eles tinham uma expertise muito grande no combate efetivo de crimes, eles tinham experiência em casos anteriores.

Você entrevistou diversos delatores, e muitos políticos e juristas fazem críticas sobre a delação premiada. Como você analisa isso?
A delação é um instrumento que tem que ser usado com controle, porque não pode ter um abuso desse instrumento. Mas sim, ele é um instrumento importante para o esclarecimento de crimes. E sim, ele foi muito importante na Lava Jato. A delação premiada nunca tinha sido usada, tão intensamente, como foi agora. Grande parte do sucesso da operação tem relação com as delações. Apesar de achar que é um instrumento que tem que ser visto com cuidado e controle, é um instrumento muito útil se usado corretamente. Como foi usado nessa operação, é um case de sucesso. Foram 49 delatores. Gente que achou que valia mais a pena falar do que esconder.

Vários políticos da oposição ao governo do presidente interino Michel Temer criticam a Lava Jato, dizendo que ela só mira o PT. Como você avalia essas críticas?
Eu acho que a Lava Jato é uma investigação totalmente apartidária. A operação foi criticada por isso, mas a própria evolução da investigação está provando que ela não tem um partido, ela tem uma busca, que é a luta contra a corrupção. As últimas semanas, antes da prisão do Paulo Bernardo (ex-ministro do Planejamento e Comunicações), a Lava Jato entrou no território do PMDB, por exemplo. O Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro) falando de líderes do PMDB, políticos tradicionais, e outros partidos também já foram citados, inclusive o PSDB.

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