quinta-feira, 26 de maio de 2016

Novas gravações de Sérgio Machado revelam preocupação com juiz Moro

Machado deu à PGR dezenas de gravações que comprometem ex-aliados. Conversas deixam clima delicado entre Renan Calheiros e José Sarney.


Geiza Duarte
Brasília, DF

Sérgio Machado era considerado pelos investigadores o caixa da cúpula do PMDB. Mas ele afirmou em várias conversas que não havia provas que ligassem nenhum dos líderes do partido ao esquema. Ele pediu ajuda para evitar que novas delações surgissem ou que o juíz Sérgio Moro o pressionasse a falar. Em uma conversa do dia 10 de março, o ex-presidente Sarney disse que ajudaria Machado a não ser preso:
SARNEY - Isso tem me preocupado muito, porque eu sou o único que não tive num negócio desse, sou o único que não tive envolvido em nada. Vou me envolver num negócio desse.
MACHADO - Claro que não, o que acontece é que a gente tem que encontrar, me ajudar a encontrar a solução.
SARNEY - Sem dúvida.
MACHADO - No que depender de mim, nem se preocupe. Agora, eu preciso, se esse [refere-se a Janot] me botar preso 1 ano, 2 anos, onde é que vai parar?
SARNEY - Isso não vai acontecer. Nós não vamos deixar isso.

Um dia depois, numa conversa com o presidente do Senado Renan Calheiros, Sérgio Machado reclama do procurador-geral da República Rodrigo Janot. Diz que Janot trabalha para que ele seja julgado pelo juiz Sérgio Moro. Renan diz que isso não pode acontecer.
MACHADO - O que eu quero conversar contigo... ele não tem nada de você, nem de mim... o Janot é um... [xinga] da maior, da maior.
RENAN - Eu sei. Janot e aquele cara da... força tarefa.
MACHADO - Mas o Janot tem certeza que eu sou o caixa de vocês. Então o que ele quer fazer. Não encontrou nada e nem vai encontrar nada. Então quer me desvincular de vocês (...) Ele acha que no Moro, o Moro vai me prender, e aí quebra a resistência e aí... Então, a gente precisa ver. Andei conversando com o presidente Sarney, como a gente encontra uma.. porque se me jogar lá embaixo [investigação na primeira instância, feita por Moro] eu to...
RENAN - Isso não pode acontecer.

Num outro trecho, também no dia 10 de março, Sérgio Machado sugere que o grupo se aproxime do relator da Lava Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki. Sarney cita o nome do ex-ministro do STJ, Cesar Asfor Rocha, que teria - segundo Sarney - proximidade com Teori. E diz que vai falar com ele sobre isso.
MACHADO - Porque realmente, se me jogarem para baixo, aí... [com] Teori ninguém consegue conversar.
SARNEY - Você se dá com o Cesar? Cesar Rocha.
MACHADO - Dou, mas o Cesar não tem acesso ao Teori, não. Tem?
SARNEY - Tem total acesso ao Teori. Muito, muito, muito, muito acesso, muito acesso. Eu preciso falar com Cesar. A única coisa com o Cesar, com o Teori é com o Cesar.

Machado também gravou uma conversa em que estavam presentes juntos Sarney e Renan. Foi no dia 11 de março e o tema ainda é como ter acesso ao Teori. Desta vez, através do advogado Eduardo Ferrão, que também seria amigo do ministro.
SARNEY - O Renan me fez uma lembrança que pode substituir o Cesar. O ferrão é muito amigo do Teori.
RENAN - Tem que ser uma coisa confidencial.
MACHADO - Só entre nós e o Ferrão.
O fato de que Sergio Machado se viu obrigado a fazer uma delação premiada para escapar da cadeia é indicativo de que não surtiram efeito as tentativas de influenciar Teori por meio de Cesar Afor Rocha ou de Eduardo Ferrão.

As conversas também mostram que houve negociações para alterar leis e tentar prejudicar a Lava Jato como um todo. Com Sérgio Machado, Sarney fala de uma medida provisória sobre acordo de leniência que o governo Dilma baixou para facilitar que empresas admitam culpa e possam voltar a fazer negócios com o setor público. Depois de protestos do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público, a medida provisória foi substituída por um projeto de lei bem mais rígido.
MACHADO - Outro caminho que tem que ter é a aprovação desse projeto de leniência na Câmara o mais rápido possível, porque aí livra o criminal, livra tudo.
SARNEY - Tem que lembrar o Renan disso. Para ele aprovar o negócio da leniência.
Renan e Sarney conversaram também sobre proibir que pessoas presas façam delações premiadas. Uma ideia que prejudicaria a Operação Lava Jato, já que algumas delações foram fechadas por suspeitos presos.
SARNEY - O importante agora, se nós pudermos votar que só pode fazer delação, é só solto.
RENAN - Que só pode solto, que não pode preso. Isso é uma maneira sutil que toda a sociedade compreende que isso é uma tortura.

Segundo investigadores, as tentativas de mudança na lei das delações premiadas e a medida provisória da leniência faziam parte de um plano para enfraquecer a Lava Jato. Em outra conversa com Sérgio Machado, em que foi discutida a delação de executivos da Odebrecht, o ex-presidente José Sarney cita uma tentativa de acordo geral para barrar a operção.
SARNEY - A Odebrecht (...) eles vão abrir, vão contar tudo. Vão livrar a cara do Lula e vão pegar a Dilma, porque foi com ele, quem tratou diretamente sobre o pagamento do João Santana foi ela. Então eles vão fazer. Porque isso tudo foi muito ruim pra eles. Com isso, não tem jeito. Agora precisa se armar. Como vamos fazer com essa situação, a oposição não vai aceitar. Vamos ter que fazer um acordo geral com tudo isso.
MACHADO - inclusive com o Supremo. Com o Supremo, com os jornais, com todo mundo.
SARNEY - Supremo... Não pode abandonar.

Apesar das conversas para tentar evitar que a Lava Jato chegasse à cúpula do PMDB, Sérgio Machado fechou um acordo de delação premiada fazendo justamente o oposto: entregou à Procuradoria Geral da República dezenas de gravações como estas, em que compromete os ex-aliados. Ou seja, a tentativa de interferir nas investigações não deu certo. Além de entregar as gravações das conversas, Sérgio Machado já deu depoimentos sobre o envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobras. Agora o procurador-geral da República Rodrigo Janot poderá pedir abertura de investigações a partir das declarações. Isso não tem prazo para acontecer. O presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que os diálogos não revelam, nem sugerem, qualquer menção ou tentativa de interferir na Lava Jato. O ex-presidente José Sarney disse ser amigo de Sérgio Machado há muitos anos e que muitas vezes procurou dizer palavras que ajudassem a superar as acusações que Machado enfrentava. O Instituto Lula declarou que o diálogo citado é fruto de mais um vazamento ilegal e confirma o clima de perseguição contra o ex-presidente. O Instituto afirmou, ainda, que a conversa não traz nada contra o ex-presidente. A defesa da presidente afastada Dilma Rousseff disse que ela jamais pediu qualquer tipo de favor que afrontasse o princípio da moralidade pública.

A defesa de Sérgio Machado disse que os autos são sigilosos e que não pode se manifestar. O ministro Teori Zavascki não vai comentar o conteúdo dos áudios. O ministro aposentado César Asfor Rocha afirmou que nunca foi procurado por José Sarney, Renan Calheiros ou Sérgio Machado para tratar de assuntos relacionados à Operação Lava Jato. A reportagem não conseguiu contato com o advogado Eduardo Ferrão.

http://g1.globo.com/

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