sábado, 19 de abril de 2014

Igreja fecha as portas na Páscoa e se propõe a ajudar invasores

Fiéis ficam sem missa na Catedral, procissão e vigília. Celebração foi em Santa Cruz.


CAIO BARBOSA , MARCELLO VICTOR E MARIA LUISA BARROS

Rio - Em um dos dias mais importantes para o calendário da fé cristã, a Sexta-Feira Santa, quando católicos revivem o calvário da crucificação de Jesus, centenas de fiéis deram de cara com as portas fechadas na Catedral Metropolitana do Rio. Pela primeira vez na história, a Arquidiocese decidiu cancelar todas as celebrações religiosas no local, incluindo a procissão do Senhor Morto e a encenação do 36º Auto da Paixão de Cristo, que aconteceriam ontem, a Vigília Pascal, programada para hoje, e a missa de Páscoa, amanhã, seguida de uma ceia de confraternização com moradores de rua. Em nota oficial, a Arquidiocese informou que tomou a decisão “em solidariedade a todos os necessitados”, depois que cerca de 50 desabrigados, entre famílias e crianças, se alojaram em frente à catedral, na Avenida Chile, no Centro. O grupo — que na semana passada havia invadido o terreno da empresa telefônica Oi, no Engenho Novo — foi para a porta da igreja por volta das 6h. Na madrugada, eles haviam sido retirados da calçada do prédio da prefeitura, na Cidade Nova. Guardas municipais e policiais do Batalhão de Choque da PM cercaram a Catedral durante todo o dia de ontem, até a noite. 

Conversa com os ocupantes
O padre da catedral, Pedro Luís Antônio Pereira Lopes, conversou com os desabrigados do lado de fora. Ele ressaltou que a intenção da Igreja agora é fazer uma mediação para ajudar os desalojados. “Aqui eles não vão conseguir nada. Se querem reivindicar, devem acampar na porta das autoridades”, sugeriu, acrescentando que a Igreja não é contra a permanência dos invasores no local. “Tentaremos fazer uma mediação entre eles e a prefeitura para que haja uma resolução de paz, pois entendemos que a manifestação é justa”, afirmou o religioso.

Com a catedral fechada, as celebrações da Semana Santa foram transferidas para outras paróquias. À tarde, o cardeal arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, celebrou um ato litúrgico na Capela Santo Antônio, na Favela de Antares, em Santa Cruz. No encerramento, Dom Orani pediu o fim dos conflitos. “Vamos rezar pela paz em nosso estado e na nossa cidade”, disse ele, que aproveitou para criticar suposto jogo de interesse nas manifestações. “Temos que estar com olhos muito abertos quando vemos pobres sendo manipulados”, ressaltou. Em nota, a Igreja já havia comentado: “A Arquidiocese lamenta que existam pessoas que ainda sofram em virtude da ausência de moradia e sejam manipuladas por outros interesses.”


A posição da Arquidiocese foi contestada por outros religiosos, como Frei David. “Eu fiquei com o coração despedaçado, porque a maioria das vítimas é de negros como eu. Mulheres negras chorando com seus filhos próximos me fizeram lembrar, nesta Sexta- Feira Santa, Nossa Senhora chorando aos pés de Jesus”, lamentou. A prefeitura, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social, afirmou que voltou a conversar com as famílias. Na presença de padres, a secretaria ofereceu abrigos e o cadastro social para as 112 pessoas que estavam no local. Segundo o órgão, eles aceitaram o acolhimento, mas quando as vans da prefeitura chegaram, recusaram a ajuda.

Fiéis são aconselhados a celebrar em paróquias próximas de casa
Sem as tradicionais celebrações da Semana Santana catedral, os fiéis devem procurar as paróquias mais próximas para acompanhar a programação de Páscoa. A Arquidiocese informou que as mudanças serão informadas no site da instituição na internet (www.arqrio.org). A Rádio Catedral (www.radiocatedral.com.br) também está repassando os novos locais.

Neste sábado, diversas igrejas estarão abertas para a Vigília Pascal, quando os fiéis rezam na expectativa pela ressurreição de Jesus. Às 19h, o bispo Dom Luiz Henrique estará à frente da celebração, na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Grajaú. Às 20h, haverá vigília nas paróquias São Judas Tadeu, em Senador Vasconcelos, e na Imaculada Conceição e São Sebastião, no Engenho de Dentro. Mais tarde, às 23h, fiéis poderão acompanhar as orações na Paróquia Nossa Senhora da Paz, em Ipanema.

Domingo, bispos vão celebrar missas de Páscoa em seis igrejas do Rio. Uma delas deverá contar com a presença de Dom Orani, que não estará na catedral. O dia começará com procissão, às 6h, seguida de missa campal na Paróquia Imaculada Conceição e São Sebastião, no Engenho de Dentro. Às 9h haverá missa na Paróquia São Miguel, em Magalhães Bastos; às 9h30, na Sagrado Coração de Jesus, em Padre Miguel; às 11h30 na Nossa Senhora da Paz, em Ipanema; às 18h, na São Francisco Xavier, na Tijuca; e às 19h, na Nossa Senhora da Assunção, em Sulacap.

‘Guerra santa’ na rede social
Uma ‘guerra santa’ foi travada nesta sexta-feira entre católicos contrários e a favor das celebrações na catedral, na página em uma rede social da Arquidiocese do Rio. “Fechou a porta aos cristãos, agora também os quer crucificar? A Igreja escolheu seu lado, o lado de Pilatos”, postou um internauta. “Cadê a caridade cristã? Estamos chegando no fundo do poço”, dizia uma fiel.

Um outro católico aprovou a ação da polícia. “Por mim, deviam mandar o Choque desocupar. Até em países muçulmanos elas (celebrações) acontecem!”, criticou. Um terceiro católico lamentou por todos os envolvidos (atores, produção) na encenação do Auto da Paixão de Cristo. “E, principalmente, pelo povo carioca, que não terá a oportunidade de participar de um belo e democrático momento de comunhão com Deus”, disse.

Longe da catedral, fiéis se emocionaram com a encenação da Paixão de Cristo na Rocinha. A Via Sacra foi do Largo do Boiadeiro até a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, mostrando um paralelo entre o sofrimento de Cristo e o dos moradores das favelas. A programação de Páscoa segue até domingo. Hoje, às 9h, Dom Orani fará celebração na Igreja São Pedro, no Rio Comprido.

Retirado do entorno da prefeitura, grupo vai para a Catedral 
Religiosos que tinham programado participar das atividades do Dia da Paixão de Cristo na Catedral do Rio e não souberam do cancelamento da agenda foram surpreendidos com a ocupação de parte do estacionamento da igreja. “É lamentável que isso aconteça e interrompa uma programação tão importante como a da celebração da Páscoa”, disse um dos fiéis. Várias pessoas comentaram a medida da Igreja nas redes sociais. “Certíssimo. Se eles entrassem, não sairiam mais”, postou uma outra devota no Facebook da Arquidiocese.


Muitas pessoas ficaram sem celebrar a Paixão de Cristo porque não tiveram tempo de chegar a outras paróquias ao saber do fechamento da catedral. Pela manhã, os atores que encenariam o Auto da Paixão de Cristo ensaiaram dentro da igreja com as portas fechadas. Mais tarde a encenação foi cancelada. Este ano, a peça, que tradicionalmente ocorre nos Arcos da Lapa, tinha sido transferida para a Catedral. O pedreiro Carlos Alessandro de Souza Gomes, de 34 anos, era uma das cerca de 50 pessoas que ainda resistiam na catedral no início da noite de ontem. Desempregado, ele não aceitou ir para um abrigo oferecido pela prefeitura. “Acho que é o único lugar seguro para minha família. Eu não tenho condição de ir para um abrigo com ladrões e usuários de drogas. Tenho medo de dormir e, na hora de acordar, terem levado meu filho”, explicou. 

Os desalojados recebem ajuda de pessoas que passam e doam alimentos. Segundo eles, cerca de cem pessoas estavam no local quando a tropa de choque da Guarda Municipal chegou por volta das 2h30. A Avenida Presidente Vargas chegou a ser fechada por alguns momentos. Ninguém foi preso e não houve registro da utilização de armamento não-letal por partes das forças de segurança. Uma das lideranças dos movimento, Eliezer Batista, 48 anos, disse que vão continuar resistindo até que seja oferecida moradia.

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