POR João Antonio Barros
Rio - A vida na eterna procura. Passados 28 anos desde o fim dos Anos de Chumbo no Brasil, um grupo de mães percorre os corredores dos aparelhos de repressão do Rio de Janeiro em busca de notícias que levem aos corpos dos filhos. Nenhum foi ativista político ou lutou pela restauração da democracia. São vítimas da violência urbana e desapareceram após receber voz de prisão de agentes do Estado. Mas, para estas mães, não há Comissão da Verdade. Só restam a incerteza e uma vaga e inconclusa certidão de óbito, onde a causa da morte é “ignorada” e o mais perverso: o local do “falecimento” é descrito com o rótulo da tragédia. Uma nova metodologia que cunhou no registro de óbito dos 11 jovens desaparecidos em 1990 a expressão “Chacina de Acari”.
“Pronto, agora nada mais nos diferencia das vítimas da repressão
política: ganhamos um número, uma certidão marcada. Só falta uma
comissão para achar nossos filhos”, espera Marilene Lima de Souza, 61
anos, mãe da estudante Rosana de Souza Santos, 19, sequestrada por
policiais num sítio de Suruí, distrito de Magé. A revolta de Marilene é
com as falhas na investigação, que descartou fatos
e testemunhas e levou à prescrição dos crimes há dois anos. A última
informação veio em 2008. Um homem, ex-motorista policial, apontou o
local onde estariam os corpos dos jovens, no sítio, em Magé, do
ex-inspetor João da Silva Bistene, o Peninha. “A polícia só olhou o
lugar, não procurou nada, não cavou nem um buraco”, aponta a mãe.
O mesmo cronograma de erros nas investigações Elizabeth Silveira ouviu
os pais listarem ao longo dos anos em que buscaram informações sobre o
paradeiro do irmão Luiz René Silveira e Silva — o tímido estudante de
medicina que largou a faculdade, em 1973, para se juntar aos amigos
na Guerrilha do Araguaia e nunca mais retornou. “Se os desaparecimentos
do passado tivessem sido esclarecidos, este procedimento dos órgãos de
repressão estaria sepultado. Como ocultaram, ele se reproduziu”,
acredita Elizabeth.
Os dois casos — Acari e Araguaia — guardam bem mais semelhanças do que
os desaparecimentos em série. As investigações particulares das famílias
e de amigos levaram a evidências das mortes, levantaram suspeitas sobre
os autores do crime, mas esbarraram no corporativismo do Exército e da
polícia para chegar aos locais dos sepultamentos. Nem a prometida pensão
do Estado as Mães de Acari receberam. No máximo, a indenização de R$ 10
mil.
“Passei 22 anos tentando achar minha filha. Fiz de tudo. Fui vivendo e
passando por cima do tempo. Quando vi, estava velha e doente. Nem sei
como criei meus três filhos. Não tinha tempo para eles, não vi eles
crescerem. Quando vi, estavam adultos e casados. A vida me escapou”,
confessa, Marilene, que recentemente descobriu um tumor no cérebro e,
diabética, não vê a hora de começar o tratamento para seguir na procura. “Uma parte de mim me foi retirada. Não vou desistir enquanto não enterrar a Rosana”, emenda.
Na fila à espera da verdade está também a família do zelador Jorge
Antônio Carelli. O ex-funcionário da Fundação Oswaldo Cruz foi
confundido com um sequestrador e levado da Favela de Manguinhos por uma
equipe da Divisão Anti-Sequestro, em 1993. Testemunhas viram o rapaz
após uma sessão de tortura na carceragem da delegacia, mas não há
registro da prisão. As investigações indicaram que Carelli morreu vítima
de espancamento e foi jogado no Rio Acari. Vinte e dois policiais foram
levados a julgamento por homicídio, mas acabaram absolvidos justamente
por falta do corpo.
extra.globo.com/Divulgação.
Pai de jovem desaparecida vai pedir apoio a Dilma para investigar caso
À espera da verdade. A instalação da comissão que vai apurar os crimes
ocorridos nos Anos de Chumbo deu ideia a Antônio Celso de Franco
de pedir à presidenta Dilma Rousseff a ampliação da investigação. Quer
incluir a busca pelos desaparecidos da violência policial. Na
estatística das vítimas está a sua filha, a engenheira Patrícia Amieiro
Branco de Franco, 24 anos. No próximo mês, completam-se quatro anos
desde que a jovem saiu de uma festa, na Urca, em direção à residência,
na Barra da Tijuca. Nunca mais foi vista. O carro foi localizado com
marcas de tiros no Canal de Marapendi, e a investigação de agentes da
Divisão Anti-sequestro aponta para quatro PMs. Como protesto, Celso
prepara uma manifestação e, se apuração não avançar, promete fazer o
enterro simbólico da filha na porta do Palácio Guanabara.
lutadeclasses.blogspot.com/Divulgação.
Guerrilha do Araguaia
O movimento de esquerda pretendia instalar no Brasil uma resistência à
ditadura nos moldes da Revolução Cubana. Liderados pelo PCdoB, jovens se
instalaram ao longo do Rio Araguaia, entre os estados do Pará, Maranhão
e Goiás. Foi combatida em várias ações desencadeadas pelo Exército a
partir de 1972 e até 1975. O resultado foram dezenas de mortos e
oficialmente 59 guerrilheiros desaparecidos. Com a restauração da democracia, o governo federal tem concentrado
esforços em localizar os cemitérios clandestinos. Mas as informações
oficiais mantidas em sigilo dificultam o trabalho. Os parentes das
vítimas esperam que a Comissão da Verdade, instituída há 11 dias,
consiga chegar aos corpos dos desaparecidos.
estadao.com.br/Divulgação.
Chacina de Acari
Símbolo do desaparecimento forçado no Rio de Janeiro, o sumiço de 11
jovens da Favela de Acari ocorreu em julho de 1990. Três seriam
envolvidos em assaltos e se esconderam em Magé após a extorsão
supostamente praticada por policiais do 9º BPM (Rocha Miranda). Localizados num sítio em Suruí, foram sequestrados e colocados numa
Kombi. O carro apareceu dias depois cheio de marcas de sangue. A investigação patinou nos primeiros anos e, quando engrenou, apontou
para policiais, civis e militares, que não foram julgados. Três anos
após o sumiço dos jovens, uma das mães — Edméa da Silva Euzébio — foi
assassinada quando buscava provas contra os policiais e pistas dos
corpos.
http://odia.ig.com.br
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